Terça-feira, 23 de abril de 2024
Por Redação O Sul | 14 de agosto de 2018
Horas depois de a senadora e ex-presidenta argentina Cristina Kirchner (2007-2015) se negar a depor em um tribunal federal de Buenos Aires — onde deveria prestar seu quarto depoimento desde que deixou o poder —, o juiz Claudio Bonadio ordenou buscas no prédio onde ela vive, na capital. A Polícia Federal já realizava buscas no local no início da noite, mas sem entrar no apartamento de Cristina, que é protegido por sua imunidade parlamentar.
O juiz já a processou, ordenou sua detenção e pediu em vão a suspensão de sua imunidade parlamentar no caso de um suposto pacto secreto com o Irã para acobertar ex-funcionários daquele país acusados de envolvimento no atentado à Associação Mutual Israelita Argentina, em 1994.
Desta vez, Cristina apresentou-se aos tribunais portenhos por ordem do juiz para depor na chamada “Lava-jato argentina”, em que ela, vários de seus ex-funcionários e empresários são acusados de terem formado uma associação ilícita para arrecadar dinheiro por meio de obras públicas. A senadora se recusou a prestar depoimento, questionou a competência de Bonadio para julgar o caso e apresentou um documento no qual nega as acusações e afirma ser uma perseguida política.
As buscas ordenadas por Bonadio no edifício seriam, de acordo com a imprensa argentina, destinadas a “conferir” se as descrições conferiam com as feitas pelo principal delator do caso, o motorista Oscar Centeno.
“Se a Polícia veio inspecionar o edifício onde justamente vive a ex-presidente, é parte do circo. Isto não é legal”, protestou o advogado de Cristina, Gregorio Dalbón. “Ela é senadora. Isto é ilegal.”
Pouco antes de chegar ao tribunal, no Centro de Buenos Aires, Cristina denunciou em uma nota uma “nova estratégia regional para prescrever dirigentes, movimentos e forças políticas que ampliaram direitos e permitiram que milhões de pessoas saíssem da pobreza na primeira década e meia do século XXI”, numa referência implícita ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Na nota, a ex-presidente diz ainda que o processo é “uma decisão política do Poder Judiciário, em sua mais alta expressão, em coordenação com o Poder Executivo [do presidente Mauricio Macri] e a mídia hegemônica para ungir Bonadio como o braço da perseguição dirigida contra minha pessoa. Inaugura-se assim uma nova categoria jurídica que excede a do ‘juiz parcial’ ou a de ‘nenhum juiz’: a do ‘juiz inimigo, ator principal dalawfare [guerra jurídica]”.
Na segunda-feira (13), diferentemente de outros momentos em que a ex-presidente compareceu aos tribunais portenhos, não houve uma multidão de militantes kirchneristas do lado de fora. Ela pediu que os militantes não comparecessem desta vez.Apenas jornalistas e cerca de 300 agentes da Gendarmeria (força nacional de segurança). Cristina, além de denunciar uma suposta perseguição política, não falou ao juiz e solicitou a anulação do processo.
Propinas
No caso da “Lava-jato argentina”, já foram indiciadas 37 pessoas, das quais 15 estão detidas. Muitas delas são empresários do setor da construção civil, acusados de terem pago propinas milionárias a ex-funcionários kirchneristas. O caso veio à tona com a descoberta de oito cadernos escritos à mão por Oscar Centeno, chofer de um ex-alto funcionário do Ministério do Planejamento, que anotou com riqueza de detalhes os movimentos de seu ex-chefe, agora preso.
Nos cadernos, Centeno, que se disse arrependido e agora é protegido pela Justiça, relata cada movimento de recebimento e entrega de malas com dinheiro, em alguns casos mencionando até mesmo Cristina e o ex-presidente Néstor Kirchner. Cálculos realizados pela imprensa argentina estimaram que o valor total das propinas poderia chegar a US$ 13 bilhões (R$ 50,5 bilhões), ou seja, US$ 3 milhões (R$ 11,6 milhões) por dia, se divididos pelos quase 13 anos em que o kirchnerismo esteve no poder.
A lista de detidos por Bonadio inclui, ainda, vários ex-funcionários kirchneristas. O ex-chefe do Órgão de Controle de Concessões Rodoviárias, Claudio Uberti, um dos braços-direitos de De Vido, se entregou às autoridades na segunda. Primeiro ex-funcionário arrependido, Uberti ofereceu informações às autoridades sob a forma de delação premiada. Já Oscar Thomas, ex-diretor-executivo da EBY, empresa que opera a hidrelétrica de Yacyretá, está foragido.