Sexta-feira, 19 de abril de 2024
Por Redação O Sul | 17 de março de 2018
Uma startup americana está chamando a atenção de investidores no Vale do Silício com uma proposta ousada, que foi selecionada para integrar o programa da Y Combinator, uma das mais conhecidas aceleradoras do setor de tecnologia nos EUA. A promessa é de vida eterna, não em carne e osso, mas nos chips de servidores espalhados pela nuvem.
A ideia é desenvolver uma tecnologia capaz de digitalizar a memória das pessoas, como um backup do cérebro. Como esta técnica ainda não existe, Robert McIntyre e Michael McCanna, fundadores da Nectome, propõem a preservação criogênica dos tecidos cerebrais. Mas para isso, é preciso matar os seus clientes.
“É 100% fatal”, disse McIntyre, em entrevista à revista “MIT Technology Review”. “É por isso que estamos situados entre as companhias da Y Combinator.”
“E se te dissessem que você pode fazer o backup da sua mente? Nossa ambição é manter suas memórias intactas para o futuro”, instiga o site da Nectome. No momento, a dupla de ex-estudantes do Instituto de Tecnologia de Massachusetts pesquisa a aplicação em humanos de uma técnica criogênica já testada em animais. Não se trata do simples resfriamento, mas de um processo conhecido como “vitrifixação“ do conectoma, o mapa de todas as conexões sinápticas do cérebro.
O procedimento começa com a injeção de um produto químico que solidifica as sinapses, as conexões entre os neurônios. Segundo o site da Nectome, seria como uma algema molecular, que fixa as moléculas de carbono. A técnica é usada há décadas para a preservação de amostras biológicas, mas protege do apodrecimento por no máximo um ou dois anos. Para resolver essa questão, o congelamento a -122 graus Celsius estende o período de preservação para séculos ou até milênios.
Mas para que a “vitrifixação“ funcione, ela deve ser aplicada no momento da morte. Mais precisamente, ela precisa ser a causa da morte. O paciente, ou cliente, precisa ter o fluxo de sangue no cérebro substituído pelos produtos químicos para a preservação da estrutura neuronal.
“A experiência do usuário será idêntica ao do suicídio assistido”, comentou McCanna, usando termos do setor de start-ups. “O mercado será as pessoas que acreditam que isso funciona.”
Fila de interessados
O serviço ainda não está à venda, e provavelmente não estará por anos. A tecnologia de “vitrifixação” nunca foi testada em humanos, nem é possível saber se as memórias ficam armazenadas no tecido morto. E caso sejam, se elas podem ser digitalizadas. Mas a Nectome encontrou uma forma de testar o mercado seguindo o exemplo da Tesla. Para medir a demanda, criou uma lista de espera por um depósito de US$ 10 mil, que podem ser devolvidos caso o cliente mude de ideia.
A fila já tem 25 pessoas, incluindo Sam Altman, investidor de 32 anos que foi um dos criadores do programa Y Combinator. “Eu acredito que o meu cérebro será armazenado na nuvem”, disse Altman.
Os serviços de criogenia humana não são novos, mas a abordagem da Nectome é nova. Outras empresas já oferecem o congelamento de cérebros e até do corpo inteiro, de pessoas que acreditam que no futuro poderão ser descongeladas e ressuscitadas. Já a Nectome pretende manter a integridade do conectoma, com a esperança de que as memórias gravadas no mapa cerebral possam ser recuperadas, digitalizadas e armazenadas na internet.
Em experimentos anteriores, McIntyre provou ser possível a preservação efetiva do cérebro de um coelho, incluindo o conectoma, a nível nanométrico. Nesta semana, o pesquisador recebeu um prêmio da Brain Preservation Foundation pela preservação do cérebro de um porco.
Em fevereiro, a Nectome conseguiu o corpo de uma mulher idosa para o primeiro experimento em humanos. Os produtos químicos foram injetados apenas 2,5 horas após a morte. O procedimento levou seis horas e foi realizado num necrotério. O cérebro não será mantido congelado indefinidamente, mas fatiado e analisado por microscópios eletrônicos.
Este é a apenas o primeiro teste. Agora, a empresa busca para o futuro próximo algum voluntário que planeje o suicídio assistido por causa de uma doença terminal. Apesar de acreditar na viabilidade do serviço, Hayworth espera que a técnica só seja oferecida comercialmente após a publicação de um protocolo numa revista científica, já que se trata de uma questão polêmica.
Financiamento
Para realizar as pesquisas, a Nectome já levantou mais de US$ 1 milhão, sendo US$ 120 mil da Y Combinator e US$ 960 mil de um fundo do Instituto Nacional para a Saúde Mental dos EUA. Mas a comunidade científica vê a proposta da Nectome com ceticismo. Em entrevista ao site LiveScience, Jens Foell, neurocientista da Universidade Estadual da Flórida disse ser “legal” que a Netcome tenha conseguido preservar cérebro de um porco, mas apenas a preservação não diz nada sobre a recuperação de informações.