Quinta-feira, 18 de abril de 2024
Por Redação O Sul | 17 de janeiro de 2018
Uma viagem ao centro da Terra, à moda de Júlio Verne, segue sendo ficção. Mas trazer o interior da Terra ao laboratório – e a simulações de computador – já é a mais pura realidade. Um grupo de pesquisadores na China e no Brasil está investigando o que acontece com certos minerais quando eles são submetidos às enormes pressões do manto terrestre.
A resposta mais simples é: eles são transformados. Mas como? É aí que as coisas ficam mais complicadas. Experimentos de laboratório nos últimos anos pareciam oferecer respostas incongruentes, sobretudo na investigação de um mineral conhecido como coesita. Trata-se de uma forma de dióxido de silício produzida especialmente em alta pressão.
“Na literatura, existia uma divergência sobre quais fases e quais os caminhos pelos quais a coesita iria se transformar, seja terminando em uma fase octoédrica da sílica, mais compacta, ou amorfizando [perdendo a forma cristalina]”, explica Caetano Miranda, pesquisador do Instituto de Física da USP (Universidade de São Paulo) e coautor do novo trabalho, publicado na revista da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, a “PNAS”.
Para desvendar o que acontecia exatamente, os pesquisadores decidiram realizar simulações de dinâmica molecular – ou seja, recriar no computador as forças que atuam sobre as moléculas individuais e ver o que acontecia quando elas eram submetidas a graus e padrões variados de pressão.
“Nosso trabalho não apenas desvenda os múltiplos caminhos pelos quais a coesita se transforma, clarificando a divergência entre os diferentes resultados experimentais, mas também, talvez mais importante, conseguimos explicar os mecanismos moleculares subjacentes a essas transformações.”
Consequências
Os resultados permitem agora dizer, a partir de uma amostra de coesita numa determinada amostra de rocha, a que condição de pressão ela esteve submetida, na época em que ainda fazia parte do manto terrestre. “Ela serve como um geobarômetro confiável”, explica o pesquisador.
Miranda destaca que o mineral também passa a ser útil para investigar regiões em que houve impacto de asteroides ou até mesmo a detonação de uma bomba nuclear – em ambos os casos, há condições extremas de pressão e temperatura.
“Há presença de coesita em amostras da cratera de Chicxulub, indicando uma colisão na região da península de Yucatán, no México”, conta o pesquisador brasileiro. Essa cratera, formada há 65 milhões de anos, está associada à extinção dos dinossauros.
Aplicação tecnológica
O trabalho faz parte de um projeto de cooperação mais amplo entre Brasil e China, focado em nanotecnologia – uma iniciativa do MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações).
“Especificamente, nosso projeto tem como objetivo a combinação de metodologias computacionais em escalas múltiplas para abordar o problema de estabilidade de materiais avançados e nanoestruturas em condições severas –sejam eles a exploração do pré-sal ou a criação da nova geração de reatores nucleares”, explica o pesquisador.
Em paralelo, Miranda também desenvolve o projeto de extensão: “Cri@tividade: aprendendo física com arte, fazendo arte com física”. E uma das linhas do projeto envolve a sonificação de trabalhos realizados pelos físicos. Assim, é possível “ouvir” o ruído dos espectro colhido pelas diversas fases possíveis da coesita, em sons.