Quinta-feira, 18 de abril de 2024

Porto Alegre

CADASTRE-SE E RECEBA NOSSA NEWSLETTER

Receba gratuitamente as principais notícias do dia no seu E-mail ou WhatsApp.
cadastre-se aqui

RECEBA NOSSA NEWSLETTER
GRATUITAMENTE

cadastre-se aqui

Colunistas Divisão e subdivisão

Compartilhe esta notícia:

Referendo decidiu pela saída do Reino Unido da UE (Foto: Reuters)

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

De repente – não mais do que de repente – o mundo ficou sabendo que, mais uma vez, as infalíveis “pesquisas” haviam errado e o Reino Unido (?) decidira sair de onde nunca entrara totalmente, isto é, da UE (União Europeia).

O primeiro-ministro David Cameron, que, defendendo o “ficar”, foi quem tomou a decisão de convocar o plebiscito para que se decidisse, por meio do voto, o destino dos ingleses e assemelhados, logo anunciou que, face ao resultado, renunciará. Tenho a convicção de que ele achava que o “fico” ia dar uma goleada. E se enganou…

No entanto, a decisão de sair da UE criou uma situação que não tem antecedentes nem roteiros processuais definidos. O sempre citado artigo 50 do Tratado de Lisboa diz que para proceder-se uma retirada tem de haver um plebiscito. Daí em diante, como ele não detalha, não se sabe o que e como fazer.

Quando há eleição rotineira na Inglaterra, o líder (n° 1 na lista partidária de candidatos) vencedor é chamado pela rainha Elizabeth e recebe o convite para ser o primeiro-ministro, formando a sua equipe e se submetendo a um voto de confiança do Parlamento. Não esqueçamos que lá o regime é parlamentarista.

O caso atual é diferente, inusitado. Gente de dentro e gente de fora com a sua vida alterada, tanto profissional, quanto familiarmente, votando em função disso. O mais surpreendente é que foram derrotados os dois grandes partidos – Conservador e Trabalhista – que, historicamente se revezam no governo, em uma espécie de gangorra, dependente do quase monótono resultado das urnas.

Só que, agora, a conversa é diferente. A participação do Reino Unido (nem tanto) na UE sempre foi diferente da dos demais países. Ainda no milênio passado, o bloco se convenceu que, para fortalecer (ou tentar, pelo menos) a economia do grupo, deveria ter uma moeda própria: o euro.

Progressivamente, extinguiram-se as moedas nacionais. Foram-se a lira italiana, a peseta espanhola, o franco francês, o marco alemão. A todas, desejou-se que em paz descansassem, substituídas pelo euro…

Os ingleses, usando o argumento discutível da vaidade histórica, somado à tese de que a libra garantia ao grupo um respeito e uma valia muito especial na economia internacional, fizeram pé firme pela sua manutenção e ganharam a parada.

Também da chamada Área Especial de Segurança (Tratado de Schengen), estabelecendo para a cidadania um tratamento simplificado para a circulação de pessoas e bens e, ao mesmo, tempo, fixando padrões rigorosos de procedimento unificado no combate ao crime pelas polícias dos países – cerca de 20 – que a ele aderiram, enquanto os britânicos tiveram o direito de excluir-se. Como no caso da moeda, e sem esquecer do compromisso de todos com a política ecológica com regras de trânsito (a bizarra direção do lado direito do veículo), a sua situação foi específica, sendo teimosamente mantida pelos britânicos com os problemas práticos internacionais decorrentes. E muito mais aconteceu (na área tributária, por exemplo, subsídios oficiais a determinados produtos, investigação científica). Como se está vendo, houve (e há) – mas atenuada – diferença. A integração, apesar de tudo, ocorreu valiosa. Foi real e impactante, ainda que simultaneamente questionada por um e por outro lado, sempre mantida viva. E nem tão discreta a imagem que se formou, não autorizando a falar em separatismo mas simbolizando ilha e continente que, no caso, são mais do que meros acidentes geográficos que não se confundem.

De qualquer maneira, o povo votou (há quem queira nova votação, mas isso já é outra história para um amanhã qualquer) e deu vitória ao separatismo (fala-se em triunfo da demagogia, do populismo, de um nacionalismo retrô, da reação hostil à migração, da ameaça do desemprego, do avanço da direita etc.). Os números majoritários podem ser por tudo isso, por algum(ns) disso ou por nada disso. Se for o caso, perguntando ao tempo e observando as suas respostas audíveis, até no silêncio, é possível que se entenda, talvez sem explicar o fundamento pessoal, momentâneo, de um voto, tantas vezes tão valioso quão incompreensível.

Tem uma inquietação do que pode ser muito maior que a desunião, à inglesa, da União Europeia. Veja-se a inquietação reivindicatória, traduzida pela ameaça da Escócia e da Irlanda do Norte – dois dos quatro países de Grã-Bretanha – que já anunciaram a intenção de retirar-se do Reino Unido, querendo ficar na UE, o que dizer da vontade popular manifesta (com suas passeatas seguidas com mais de cem mil manifestantes cada uma) pela rebelde e fantástica Londres, sede da diversidade, onde o “ficar” no bloco continental ganhou na proporção de quase 3 x 1.

Vejam só, caros leitores, aproveitando luzes e sombras que se projetam da “aventura plebiscitária”, corre-se o risco (será essa a palavra?) de que se tornem altissonantes os separatismos intranacionais. São os organizados líderes, por exemplo, da orgulhosa Catalunha que requerem data do governo madrilenho para o seu emancipacionista plebiscito. É a Liga Lombarda que, de Milão, anuncia a retomada acelerada de seu projeto em nome da superioridade do Norte. São as declarações, ditas por Valões e Flamengos, umas em francês, outras em alemão, na Bélgica, as diferenças, e sujeitas ao divisionismo nacional, em um país cuja capital Bruxelas é, paradoxalmente, a metrópole-administrativa da União Europeia, abrangendo em seus órgãos 30 mil burocratas multinacionais.

É um (ou “o”) mundo que, por partilhamento, se quer dividir e subdividir? Será que há, em nosso tempo, quem queira reincidir ou reconstruir tempos passados? Haverá quem, por ânsia prioritária, queira (talvez em uma fantasia alucinada) redescobrir o modelo grego das “cidades-Estados” (Esparta, Tebas, Atenas), revisitando paisagens helênicas pré-clássicas?

Ou será que a globalização, madrasta e/ou mãe da Integração, no seu esforço interessado e interesseiro, antes do raiar do dia, entende que o instinto natural é de proustiano retorno, de maneira a fazer, no presente tempo de mudança, a tentativa, pelo menos academicamente, de construir um futuro – para não sei quando – feito de resquícios – não sei de que momento – do pretérito?

Será isso uma frágil digressão de um curioso ou a História admite o atrevimento de querer contar a História do que ainda não aconteceu?

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

Compartilhe esta notícia:

Voltar Todas de Colunistas

Giro de 180 graus na escolha
Tropa de elite contra a corrupção
https://www.osul.com.br/divisao-e-subdivisao/ Divisão e subdivisão 2016-07-02
Deixe seu comentário
Pode te interessar