Quarta-feira, 24 de abril de 2024
Por Redação O Sul | 30 de abril de 2018
Por causa de uma ação de despejo, João Gilberto foi obrigado a sair de casa e carregou consigo dívidas, processos na Justiça por uma turnê cancelada, uma ação por direitos autorais e desavenças familiares, entre os filhos e entre eles e a ex-mulher, Cláudia Faissol.
Funcionários do condomínio e moradores disseram que o músico não habitava mais o apartamento de cerca de 140 m², com sala de janelas amplas, alugado no oitavo andar.
O cantor deixou sua residência após interdição temporária concedida na Justiça à filha, a também cantora Bebel Gilberto, em novembro. Estava relutante com a mudança, mas Bebel, uma amiga e Maria do Céu Harris —que namorou o músico antes de Faissol e vive com ele hoje— conseguiram convencê-lo.
Bebel tinha autorização judicial para arrombar o apartamento no Leblon, mas não foi necessário. Segundo pessoas próximas, João aceitou mudar-se para um apartamento emprestado na Gávea.
O processo de interdição corre em segredo de Justiça, o que explica seu silêncio. Um velho amigo do músico, Otávio Terceiro, diz que ele está bem de saúde e que há inclusive a intenção de voltar a gravar canções.
Jorge Jamil, médico de João Gilberto, diz que conversou com ele há seis meses pela última vez e que ele apresentava boa forma para a idade que tem, 86 anos. “Também me pareceu lúcido”, atesta.
A interdição vem em momento crítico, com acúmulo de dívidas e a resistência em permitir que a filha tomasse conta de sua vida financeira.
A desorganização e os imbróglios financeiros (após o cancelamento de uma turnê em 2011 e com um empréstimo no banco Opportunity) resultaram em uma situação extrema. Amigos dizem que as contas bancárias de João estão bloqueadas na Justiça. Estima-se que as dívidas tenham atingido R$ 9 milhões.
Ele teria parado de pagar aluguel e condomínio do imóvel no Leblon e enfrenta ação de despejo. Não é a primeira. Em 2011, veio a público outra, por não pagamento do aluguel de um imóvel na rua General Urquiza, no mesmo bairro.
Um ponto crítico do imbróglio foi a turnê de seus 80 anos, programada para o segundo semestre de 2011, projeto firmado entre João, com intermediação de sua então empresária e mãe de sua filha mais nova, Cláudia Faissol, e o produtor Maurício Pessoa. O Theatro Municipal do Rio chegou a vender ingressos que iam de R$ 600 a R$ 1.400.
João cancelou a turnê alegando gripe. O Municipal foi a juízo para reaver os cerca de R$ 200 mil adiantados ao projeto —não se sabe como os valores foram distribuídos entre o artista e os agentes culturais. João acabou processado pelo produtor.
Documentos referidos no processo, que corre em segunda instância no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) mostram que o cachê de João era de R$2,5 milhões; 50% desse valor seria adiantado e outras parcelas seriam pagas após a realização dos shows.
O processo diz que foram comprovados “o pagamento a título de cachê ao artista no valor de R$ 1 milhão”, e “despesas com a locação de espaços no valor de R$144.460,00”.
A multa prevista no caso de quebra contratual era de R$1,125 milhões. Pessoa pede também indenização por danos morais. João perdeu em primeira instância e recorreu.
A dívida com o Opportunity tem outra natureza. Faissol mediou o empréstimo de R$ 10 milhões feito pelo banco. Uma primeira parcela de R$ 5 milhões foi depositada.
Como garantia, em 2013, foram oferecidos ao banco 60% dos direitos autorais sobre discos de João, incluindo fatia da indenização milionária que ele pede, em juízo, à gravadora EMI, por supostos danos morais e uso indevido de direitos autorais. Advogados do banco hoje o representam no caso.
Uma perícia no TJ-RJ calculou a indenização em R$ 170 milhões. João ganhou em primeira instância, mas a decisão foi cancelada após recurso da EMI. Ele, então, recorreu ao Superior Tribunal de Justiça, que negou o recurso. O processo permanece no Rio.
Segundo Faissol, o músico recebeu do Opportunity R$ 4,75 milhões, em sua conta. O restante, diz, foi usado para pagar advogados que haviam trabalhado no caso da EMI.
“A importância correspondente ao adiantamento do banco foi depositada em conta individual de João Gilberto e foi por ele diretamente gerida”, defende-se ela, que, em entrevistas, foi tratada por João Marcelo Gilberto, filho do cantor, como “criminosa”.
“Sempre houve advogados em quaisquer negociações ou contratos. Nunca tive conta conjunta com ele. Sempre o auxiliei no que ele me solicitava. Como posso ter empobrecido João, se nunca recebi um real em nome dele?”
Somou-se aos processos uma ação em que João Marcelo pede ao pai pensão para sua filha caçula. “Entramos com ação para descobrir dados financeiro [do músico].”
“Quando conseguir a transparência almejada”, ele pretende retirar a ação. “Não tenho interesse em mantê-la depois.”