Sexta-feira, 29 de março de 2024
Por Redação O Sul | 25 de fevereiro de 2018
“Cedo meu útero por R$ 30 mil em dinheiro e um carro a partir do ano de 2012.”
“Alugo barriga por R$ 50 mil para terminar de construir minha casa.”
“Se você não tiver dinheiro, mas puder me arrumar um emprego, alugo meu útero sem custos.”
Ao rolar a página de um grupo público sobre barriga de aluguel na internet, a sensação é de se estar vendo uma seção de classificados. As mulheres informam quanto cobram e quais são suas exigências, e os possíveis contratantes selecionam as que mais se encaixam no perfil que procuram e entram em contato. Os valores costumam variar de R$ 10 mil a R$ 50 mil, e muitas “candidatas” se dispõem a viajar para outros estados. As informações são do jornal O Globo.
Tão explícitas na rede, essas transações comerciais são, no entanto, proibidas no Brasil. Por aqui, só se pode “emprestar” a barriga para parentes de até quarto grau e se não houver dinheiro envolvido, no que é chamado tecnicamente de cessão temporária de útero ou gravidez por substituição.
Quem tenta driblar isso tem, em geral, consciência da proibição, mas alega necessidade financeira. Foi, por exemplo, quando o trabalho como doceira passou a render menos e empurrou Luana para uma crise em seu orçamento doméstico, que a jovem de 23 anos, moradora de São Gonçalo, começou a pensar na possibilidade de ganhar dinheiro com seu útero. Mãe de uma menina de 7 anos, fruto de uma gestação tranquila, ela enxergou uma alternativa para driblar as dificuldades que enfrentava. Começou pedindo R$ 20 mil no maior grupo do tipo no Facebook, que reúne 2,3 mil membros. Com o tempo, foi diminuindo o preço, até que, este mês, fechou com um casal homossexual de São Paulo.
“Eu me comovi com a história deles, até porque eu também sou homossexual”, conta ela, acrescentando que a mulher, com quem está há três anos, não vê problemas em relação à barriga de aluguel e só não tentou, ela mesma, porque teve uma gravidez de risco no passado.
O casal paulista virá até o Rio encontrá-la pessoalmente no mês que vem. A partir daí, eles decidirão como fazer o procedimento, mas a primeira sugestão dos contratantes foi uma “inseminação caseira”: coletar o esperma de um deles e entregar à jovem para que, com uma seringa, ela despeje o sêmen em sua vagina.
Esta seria uma forma de não precisarem ir até uma clínica de fertilização, já que as instituições costumam respeitar a norma do CFM (Conselho Federal de Medicina), segundo a qual pode existir somente a barriga solidária, e não de aluguel: sem lucro e envolvendo parente até 4º grau. Podem se beneficiar héteros e homossexuais, casais ou solteiros. O médico que descumpre pode ser afastado do exercício da medicina.
Procedimento parecido foi feito por Marina há cinco anos. Ela recebeu R$ 50 mil e teve as despesas médicas custeadas durante a gravidez. Não voltou a alugar a barriga desde então, mas comentou ativamente no último ano num grupo on-line sobre o assunto. Ela, no entanto, não quis dar detalhes sobre como realizou o processo: “Tenho medo de falar e acabar sendo presa.”
A advogada Elane Souza, especializada em Direito de Família e Penal, afirma, no entanto, que quem faz ou contrata barriga de aluguel não pode ser punido, uma vez que não há legislação sobre o tema. “Não cabe prisão porque essa prática não está tipificada na lei”, ressalta ela.
O que existe é uma resolução do CFM, que atua somente em relação aos médicos. Estes, sim, podem ser até mesmo impedidos de exercer a profissão, caso fique comprovado que descumpriram a norma. A resolução 2.168/2017 diz expressamente que a “cessão temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial”. A norma também inclui a necessidade de haver parentesco até quarto grau, o que significa dizer que só podem ceder a barriga as mães ou filhas (primeiro grau), irmãs ou avós (segundo grau), tias ou sobrinhas (terceiro grau) e primas (quarto grau).
As regras em torno do tema vêm sendo flexibilizadas nos últimos anos. Até 2013, o CFM só permitia gravidez por substituição entre parentes até segundo grau. Em uma nova resolução em 2015, o órgão ampliou os parentescos possíveis, mas considerando apenas o grau ascendente – permitindo tias, mas não sobrinhas, por exemplo. Já no ano passado, o Conselho lançou nova resolução deixando claro em seu texto que, quando se refere a quarto grau, inclui tanto o parentesco ascendente quanto o descendente. Tudo isso num esforço de atender um número maior de pessoas.
Para aqueles que não têm parentes disponíveis, é preciso pedir autorização ao Conselho Regional de Medicina para fazer o procedimento com alguma amiga, apresentando justificativas.