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Colunistas O Brasil entregue aos tubarões de várias espécies

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Assistindo aos julgamentos – mormente ao do TSE – tive a impressão de que faltavam critérios. (Foto: Reprodução)

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

Assistindo aos grandes julgamentos ocorridos nos últimos tempos, vem-me à mente uma historinha contada por Luis Fernando Verissimo, com o título Critérios. Na verdade, a crônica fala do problema da ausência de critérios. Ou de que sempre precisamos de critérios.

Pois assistindo aos julgamentos – mormente ao do TSE – tive a nítida impressão de que faltavam critérios. Estes parecem ou pareciam estar muito mais na cabeça de cada um do que nas leis e na Constituição. No mais, não dá para um mesmo Tribunal livrar um sujeito acusado de corrupção de milhões e manter preso uma pessoa que furtou pedaços de queijo e peito de frango. Critérios. Critérios. Onde estão? Leiam a crônica, com pequenas adaptações:

Os náufragos de um transatlântico, dentro de um barco salva-vidas perdido em alto-mar, tinham comido as últimas bolachas dos pacotinhos e contemplavam a antropofagia como único meio de sobrevivência.
– Mulheres primeiro – propôs um cavalheiro.
A proposta foi rebatida com veemência pelas mulheres. Onde se viu, as mulheres? Machista. Safado.

De todo modo, estava posta a questão fulcral: qual critério usar para decidir quem seria comido primeiro para que os outros não morressem de fome?
– Primeiro os mais velhos – sugeriu um jovem.
Os mais velhos imediatamente se reuniram num protesto. Falta de respeito!
– É mesmo – disse um – somos difíceis de mastigar.
– Por que não os mais jovens, sempre tão dispostos aos gestos nobres?
-Somos, teoricamente, os que têm mais tempo para viver – disse um jovem. E vocês precisarão da nossa força nos remos e dos nossos olhos para avistar a terra.
-Então os mais gordos e apetitosos, sugeriu o jovem.
-Injustiça! – gritou um gordo. – Temos mais calorias acumuladas e, portanto, mais probabilidade de sobreviver de forma natural do que os outros.
– Então comamos os mais magros.
-Nem pensem nisso – disse um magro, em nome dos demais. Afinal, somos pouco nutritivos.
– Por que não comemos os religiosos, gritou outro.
– Negativo. Não esqueçam que só nós temos um canal aberto para lá – disse um pastor, apontando para o alto – e que pode se tornar vital, se nada mais der certo.
Era um dilema.
É preciso dizer que esta discussão se dava num canto do barco salva-vidas, ocupado pelo pequeno grupo de passageiros de primeira classe do transatlântico, sob os olhares dos passageiros da patuleia, apertada na segunda e terceira classes, isto é, o resto da embarcação e não diziam nada. Até que um deles perdeu a paciência e, já que a fome era grande, inquiriu:
-Cumé é que? Cadê a boia (na verdade, queria dizer “comida”).
Recebeu olhares de censura da primeira classe. Poxa, o patuleu não sabe nem falar o português. Mas como estavam todos, literalmente, no mesmo barco, também recebeu uma explicação.
-Estamos indecisos sobre que critério utilizar.
-Pois eu tenho um critério – disse o patuleu.
-Qual é?
-Vamos comer primeiro os indecisos.
Esta proposta causou um rebuliço na primeira classe acuada. Um dos seus teóricos levantou-se e pediu:
-Não vamos ideologizar a questão, pessoal!
Em seguida levantou-se um ajudante de maquinista e pediu calma. Queria falar.
-Náufragas e náufragos – começou – Neste barco só existe uma divisão real, e é a única que conta quando a situação chega a este ponto. Não é entre velhos e jovens, gordos e magros, poetas e atletas, crentes e ateus… É entre minoria e maioria.
E, apontando para a primeira classe, gritou:
– Vamos comer a minoria!
Novo rebuliço. Protestos. Revanchismo, não, gritavam os membros da primeira classe! Mas a maioria avançou sobre a minoria. A primeira classe não era primeira em tudo? Pois seria a primeira a ser devorada.
Entretanto, restava um problema. Não podiam comer toda a primeira classe, indiscriminadamente. Ainda precisava haver critérios. Foi quando se lembraram de chamar o Natalino. O chefe da cozinha do transatlântico. E o Natalino pôs-se a examinar as provisões, apertando uma perna aqui, uma costela ali, com a empáfia de quem sabia que era o único indispensável a bordo.

O fim desta pequena história admonitória é que, com toda agitação, o barco salva-vidas virou e todos, sem distinção de classes, foram devorados pelos tubarões. Que como se sabe, não têm nenhum critério. Na verdade, tudo está a indicar que os tubarões já estão cercando o nosso barquinho. E nos devorarão.

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

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https://www.osul.com.br/o-brasil-entregue-aos-tubaroes-de-varias-especies/ O Brasil entregue aos tubarões de várias espécies 2017-06-09
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