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| O menino migrante

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Carlos Alberto Chiarelli (Foto: Banco de Dados)

A região montanhosa, com rochedos amarelados, oferecia uma paisagem em que se sucediam escarpas e planuras. A estrada, ziguezagueando, via tudo, do alto, dominadora, e se deixava ver, como se modelo fosse, acompanhada, la e acolá, de pequenos casarios geralmente brancos, que pareciam pendurados na moldura da natureza.

Ali estavam, na zona da Basilicata, em plena província de Potenza, e Lauria Superiore e Lauria Inferior. “Picolíssima”, como ensina o mapa geo-político, aproveitando-se do superlativo sintético.

A família, que vivia em Lauria Inferiore, mesmo com esse nome, ficava encarapitada no alto ( apenas mais baixa que a sua irmã Superiore) tinha um armazém de generalidades, na esquina fronteira à praça. Ali onde se encontravam os menos de mil moradores urbanos, nos dias de festa e de luto (respeitadíssimos).

Corria o ano de 1890 e, com menos de 50 anos, Giuseppe, o Patriarca, chefe da família, após breve enfermidade, faleceu. Eram quatro filhos: dois homens e duas mulheres. O mais velho, Augusto, aproveitando os privilégios de primogênito, dois ou três anos antes, ousado, recebeu e aceitou convite dos tios para que “andasse in America”. Deixou Lauria. Contrariou a opinião do Pai, explicou para a Mama – chorosa – que era um desafio mas via no aceitar esse desafio sua grande oportunidade. Não deu maiores explicações para os irmãos menores que, por se-lo, não recebiam informações e não se lhes permitia dar opiniões, se é que as tinham.

Identificar a família, destacando seu fervoroso catolicismo, seria dizer o óbvio, já que todos os habitantes rezavam quotidianamente, as mesmas preces. Daí não surpreender quando a mãe-viúva decidiu que a filha mais moça – Giovana – iria, logo, logo, para o Convento, iniciando seu noviciado.

Estava pois, destinada a viver no claustro o que, segundo a Mãe seria uma benção para ela, para a família e até para a comunidade de Lauria Inferiore. Permaneciam na casa dois irmãos: Antonia (a mais velha) que era uma espécie de sub mãe, inclusive cuidando do armazém que pretendiam e conseguiram vender. E o irmão mais moço que a Mãe planejava – tinha ele então, quase 10 anos – faze-lo padre, com o que a família ganharia todas as benaventuranças que a Igreja dava, além das que prometia, no “post mortem” pagar no céu.

O garoto, apesar de católico, não era fanático e tinha consciência de que o último lugar para onde ele iria “sponte propria”, isto é, por livre opção, seria o Seminário. Esperto, conseguiu a proeza de fazer chegar às mãos do irmão mais velho, que vivia vida tão alegre quão produtiva (fazendo dele um jovem rico e festeiro) em Montevidéu, uma carta contando que estava, às vésperas de ser internado num claustro, porque a Mãe assim decidira.

O primogênito, usando tal condição, isto é, a primazia e liderança masculina e machista, sentiu-se no direito de agir. Desfrutava de privilégios múltiplos diante de sua família e, na falta do pai, tonava-se um verdadeiro ditador no seu clan, inclusive em detrimento da Mãe. Determinou que ela abandonasse a ideia do sacerdócio para o menino e mandasse o garoto para o Uruguai, onde ele tinha condições de cuida-lo, educa-lo e encaminha-lo profissionalmente, a partir dos 12 anos.

Chegando a idade, a Mãe – há de se imaginar o pesar com que levou o menino até Napoles (para ela, valeu a frase que destacaria a beleza imbatível, sedutora e fatal da vulcânica cidade: “vedere Napoles et poi morire”). Com que dor foi recomendar ao comandante da nave o menino solitário que era tão seu. Nesse momento, começou a morrer vitima de impiedosa saudade. Logo, meses apenas, faleceu.

Enquanto isso, nove ou dez dias depois, o navio amanhecia no porto de Montevidéu. Era um dia de verão, de sol radiante, calor estimulante, em que as águas, então tranquilas, do Prata, pareciam disciplinadas e harmônicas no seu refletir translucido dando as boas vindas a um migrante, menino migrante. Viera para descobrir . Viera para viver com o passar do tempo e de fronteiras uma saga, na ocasião ainda não escrita, e que o destino lhe reservaria.

Seria a brasilidade cidadã, obtida por direito de conquista, pelos 50 anos de identificação e identidade, na terra que, por amor, também fez sua. Era (e foi) Matteo Chiarelli, meu Pai. Avô, de seu herdeiro ideal, Matteo Chiarelli, meu filho.

Doutor em Direito

cagchoarelli@gmail.com

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