Terça-feira, 19 de março de 2024
Por Redação O Sul | 21 de maio de 2018
A presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministra Cármen Lúcia, refutou a possibilidade de que a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva seja bloqueada sem que haja contestação prévia – ou “de ofício”, como se diz no jargão jurídico. “O Judiciário não age de ofício, age mediante provocação”, disse a ministra em entrevista transmitida na madrugada desta segunda-feira (21) pelo programa Canal Livre, da Band.
Na semana passada, ministros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) passaram a discutir nos bastidores a possibilidade de tomar a iniciativa de impedir Lula de ser candidato para supostamente evitar um impasse durante a campanha.
O petista cumpre pena de prisão em Curitiba (PR) desde abril, mas será lançado e registrado como candidato ao Planalto. Para Cármen Lúcia, no entanto, candidatos como Lula são inelegíveis por causa da condenação em segunda instância, como previsto na Lei da Ficha Limpa. “Isso foi aplicado desde 2012. Eu não noto nenhuma mudança de jurisprudência no TSE. E o Supremo voltou a este assunto, este ano, e reiterou a jurisprudência e a aplicação da jurisprudência em um caso de relatoria do ministro [Luiz] Fux, atual presidente do TSE.”
Apesar do imbróglio envolvendo Lula, Cármen Lúcia crê que o caso do petista não chegará ao Supremo. “Nós temos uma Justiça Eleitoral muito presente, e isso é matéria eleitoral que irá para lá. Acho que não chega ao Supremo.”
Segunda instância
A ministra voltou a defender o atual entendimento da Corte sobre a prisão de condenados em segunda instância e reiterou que não vai colocar o tema em pauta durante sua gestão, que termina em setembro. “A menos que sobrevenha alguma coisa, algo completamente diferente, que não é um caso ou outro”, ressalvou.
A prisão de Lula, em abril, reabriu a discussão sobre o tema e colocou pressão sobre Cármen, que resistiu à ideia de recolocar o tema na pauta do STF. A ministra argumentou que, de 2009 a 2016 (período que marcou a mudança de entendimento do Supremo), houve uma mudança significativa na composição da Corte. “Hoje, não. De 2016 até agora, lamentavelmente morreu o ministro Teori Zavascki. Entretanto, o ministro que entrou no lugar, Alexandre de Moraes, votou no mesmo sentido de Teori”, defendeu.
Em setembro, a ministra deixará a cadeira da presidência e será substituída por Dias Toffoli. Questionada sobre a possibilidade de o entendimento de que um condenado em segunda instância deve começar a cumprir pena estar com os dias contados, a ministra desconversou. “Eu não sei dizer como é a orientação de colegas”, afirmou. Cármen voltou a defender que o Supremo não deve reavaliar decisões após mudança de entendimento de algum membro, como uma forma de evitar uma insegurança jurídica.
Divisão
Cármen acredita que a divisão verificada na Corte nas últimas votações importantes é um reflexo do atual estado de ânimo da sociedade. “Há uma divisão no mundo, há uma divisão no Brasil, há uma divisão, às vezes, dentro de famílias sobre a compreensão de mundo”, disse a ministra.
Ela destacou que há diversos exemplos de casos que terminaram com placar de seis a cinco na história do Supremo, e que a diferença agora é que a Corte está presente “em todas as discussões”. “Em uma sociedade dessa, imagina o Brasil todo dividido e se o Supremo votasse sempre no mesmo sentido, sem ninguém ter dúvida sobre outra visão de mundo. Acho que aí seria algo um pouco desconectado.”
A presidente do STF disse ainda que vê com “muita preocupação” o atual nível de beligerância nas discussões políticas e jurídicas. “Violência é o contrário do direito. Quem tem razão não grita.” O prédio onde Cármen mora em Belo Horizonte (MG) foi alvo de vandalismo às vésperas da prisão de Lula, em abril.
“Fico um pouco entristecida de ver e fiquei preocupada com os vizinhos. Moro em um prédio com pessoas idosas”, disse. A ministra afirmou que vai pagar pela limpeza da fachada do prédio, que foi manchada com tinta vermelha. “É uma reação de violência que não leva a lugar nenhum.”
Cármen ainda refutou supostos comentários de que ela teria sido desleal com Lula, responsável por sua nomeação ao Supremo, em 2006, ao abrir caminho para a prisão do petista. “Sei de até jornalistas que disseram, literalmente, a frase que me veio, estou colocando entre aspas: ‘O preço foi pequeno perto da deslealdade de ter sido nomeada pelo ex-presidente e de não ter garantido que ele não fosse para a cadeia’. Isto é uma frase dura pelo seguinte: a toga não é minha, a toga é do Brasil, ela tem que se submeter à Constituição.”