Quinta-feira, 25 de abril de 2024
Por Redação O Sul | 15 de março de 2019
O mês de março de 2019 ficará na história do Programa Espacial Brasileiro pela assinatura do chamado Acordo de Salvaguarda Tecnológica (AST) com os Estados Unidos, que equivale à pedra fundamental da exploração de Alcântara como centro internacional de lançamento de satélites. Porém, há ainda um astronômico trabalho pela frente.
Tudo está pronto para que Jair Bolsonaro e Donald Trump firmem, em Washington, o compromisso de assegurar a preservação de tecnologia americana sensível em solo brasileiro, sem comprometer a soberania nacional.
Além da formalização do estratégico entendimento bilateral, outros dois projetos relevantes para o Brasil no setor ganharão visibilidade durante a visita do presidente à capital americana: o satélite SPORT, parceria entre Nasa, Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais] e ITA [Instituto Tecnológico de Aeronáutica], voltado aos estudos da ionosfera e do impacto de anomalias na parte mais distante de nossa atmosfera que prejudicam instrumentos de navegação no Atlântico Sul; e a parceria entre Inpe e a NOAA, a administradora do serviço meteorológico dos Estados Unidos, para o desenvolvimento de equipamentos de observação da Terra.
Por qualquer ângulo, as parcerias em curso têm futuro promissor, caso sejam levadas a sério pelo Brasil. O acordo de salvaguardas não só cria um novo ambiente de negócios com empresas dos Estados Unidos, como abre as portas para que toda e qualquer outra nação alinhada se credencie a buscar o Brasil como base de lançamento.
Um estudo, finalizado no final de 2018 pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas [Ipea], órgão de assessoramento técnico do governo federal, explica por que o Brasil sempre é lembrado como sítio de lançamento de foguetes, apesar da falta de orçamento e prioridade que marcaram até hoje a gestão do programa espacial.
Além da economia relacionada à localização privilegiada, próxima à Linha do Equador, que resulta em consumo menor de combustível a cada lançamento, os autores do estudo listaram “maior capacidade de satelização; maior segurança para a realização de lançamentos em uma ampla faixa de azimutes [medida de abertura angular horizontal]; baixa densidade populacional na região; e condições climáticas favoráveis”.
As ameaças
Porém, apesar da lista invejável de vantagens naturais atribuídas ao Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), uma série de desvantagens politicas e burocráticas, potencializadas por obstáculos técnicos e derrapadas diplomáticas, mostra que o caminho para o uso do CLA como plataforma internacional de lançamentos é longo e complicado.
Não à toa, o ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, não se arrisca a estipular uma data para o início da empreitada espacial. O astronauta conhece bem os desafios do setor, como demonstrou em recente entrevista ao Globo .
No campo político, o Congresso Nacional deverá votar o acordo de salvaguarda tecnológica. A atual legislatura, na qual o PSL de Bolsonaro detém a segunda maior bancada, tem tudo para aprovar a proposta. Trapalhadas diplomáticas, no entanto, criam ambiente hostil, sobretudo quando existe o precedente da rejeição pelo Congresso de acordo semelhante, proposto 17 anos atrás.
No dia 11 de março, por exemplo, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o embaixador do Brasil em Washington, Sérgio Amaral, resolveu mencionar que o acordo espacial trata do lançamento de “mísseis”.
“Essa negociação encerra quase 20 anos em que estamos tentando lançar da base de Alcântara mísseis de maior capacidade, de maior porte e que podem ser utilizados no uso comercial, sobretudo de lançamento de satélite”, afirmou o experiente embaixador.
“Mísseis” alimentam a especulação, fermentada pela oposição no debate parlamentar, de que Brasil e Estados Unidos caminham para um acordo militar. Mais: Alcântara poderia servir, segundo esse raciocínio, como uma base para ogivas americanas.
Na indústria americana, a fala do embaixador não caiu bem. Provocou desconfiança. Entre os militares, o problema foi maior: o Ministério da Defesa se viu obrigado a esclarecer o mal-entendido. De fato, o AST só trata do uso civil e comercial do espaço. Não é arma de guerra.
No estudo do Ipea, que teve a colaboração de ex-servidores da Agência Espacial Brasileira, Israel de Oliveira Andrade, Rogério Luiz Veríssimo Cruz, Giovanni Roriz Lyra Hillebrand e Matheus Augusto Soares apontam quatro ameaças ao uso comercial do Centro de Alcântara.
As duas primeiras da lista são justamente “dificuldades para aprovação de projetos de cooperação no Congresso Nacional e linha tênue entre comercialização do CLA e manutenção da soberania nacional”.
Como ameaça os pesquisadores também reconhecem “possíveis interferências estrangeiras, desestimulando o desenvolvimento de tecnologia nacional e questões fundiárias na região de Alcântara”.
A interferência estrangeira é silenciosa, porém não é desprezível, ainda mais considerando que apenas o mercado de lançamento de satélites movimentou US$ 5,5 bilhões em 2016, de um total de US$ 260,5 bilhões movimentados por toda a cadeia da indústria espacial naquele ano, valor que envolve investimentos na Terra e no espaço.