Quinta-feira, 25 de abril de 2024

CADASTRE-SE E RECEBA NOSSA NEWSLETTER

Receba gratuitamente as principais notícias do dia no seu E-mail ou WhatsApp.
cadastre-se aqui

RECEBA NOSSA NEWSLETTER
GRATUITAMENTE

cadastre-se aqui

Brasil Prima de brasileiro fuzilado na Indonésia conta como foram os últimos dias antes do fuzilamento dele e diz que manterá processo na Justiça do país

Compartilhe esta notícia:

Angelita ao lado do corpo de Rodrigo, em Jacarta, onde uma missa foi realizada na capela do hospital horas depois da execução. Foto: AP

A fotógrafa paranaense Angelita Muxfeldt, 49 anos, passou os últimos três meses na Indonésia para tentar livrar o primo, Rodrigo Gularte, 42, da execução. Condenado à morte após tentar entrar no país com 6 quilos de cocaína, o paranaense foi fuzilado no dia 29 de abril. Sete quilos mais magra (“só comia o suficiente para não ficar doente”, diz), ela contou como foram os últimos momentos com o primo:

“Quando cheguei à ilha na noite de terça-feira (28/04), horas antes da execução do Rodrigo, não parecia real. Parecia um pesadelo. Eu estava ali para acompanhar a distância – não era permitido ficar no local onde houve o fuzilamento.

Estava ali no cais. Aí de repente veio um barulho só, igual bala de canhão, de tão forte [eram as execuções, que ocorreram ao mesmo tempo]. Aquilo me doeu no peito, na alma. Imaginei todos ali [foram oito pessoas, Rodrigo entre eles]. Foi muito forte.

Reconheci o corpo, que chegou em uma ambulância. Foi muito difícil encontrar meu primo, meu irmão de coração, tão amado e tão querido, deitado em um caixão, sem vida, mas com expressão de quem estava em paz. Poucas horas antes eu havia estado com ele na última visita. Ele estava calmo, em paz. Isso nos ajuda a aceitar sua partida. O difícil é encarar como foi, um assassinato com hora marcada.

Rodrigo entre a mãe Clarisse e a prima Angelita.

Rodrigo entre a mãe Clarisse e a prima Angelita. (Foto: Reprodução)

Apeguei-me ao Rodrigo desde sempre. Por isso fui à Indonésia. Fiquei lá três meses. Cheguei lá no dia da execução do Marco [Archer, fuzilado por tráfico de drogas em 18 de janeiro]. O Itamaraty havia me falado que haveria mais execuções.

A prisão só autorizava visitas às terças e quintas-feiras. Ele estava sempre sereno, calmo. Quando eu estava triste, ele me acalmava, se mostrava preocupado dizendo que eu estava muito magra, que não havia comido. Eu emagreci sete quilos. Não tinha vontade de comer; comia para não ficar doente.

Recursos.

Angelita tenta apresentar laudo, feito por uma psiquiatra de Cilacap, mostrando que o Rodrigo tinha esquizofrenia. Foto: Romeo Gacad/AFP

Angelita tenta apresentar laudo, feito por uma psiquiatra, mostrando que Rodrigo tinha esquizofrenia. (Foto: Romeo Gacad/AFP)

Tentamos vários recursos para salvá-lo. Em 3 de novembro, bem antes de o presidente da Indonésia falar em execuções, já havia um laudo, feito por uma psiquiatra de Cilacap [cidade onde fica a prisão], mostrando que o Rodrigo tinha esquizofrenia. Mas esse laudo não valia na Justiça. Só que o advogado não nos instruiu sobre isso. Esse foi o grande erro.

Contratamos outra equipe de advogados e fomos atrás de um psiquiatra credenciado pelo governo indonésio, que foi visitar o Rodrigo em 10 de fevereiro. Ele falou: ‘Por que não vieram antes?’

O Rodrigo achava que estava normal, que não era doente. Esse laudo mostrou que ele era esquizofrênico e sofria de transtorno bipolar. Era o laudo como o governo queria, de médico especialista credenciado pelo governo. Mas a Procuradoria [responsável pelas execuções] pediu uma segunda opinião.

Só que eles nunca apresentaram esse laudo. Minha certeza é que viram que o Rodrigo estava doente, mas nunca mostraram isso porque tiraria ele da execução. Foi política a razão pela qual ele foi executado, não foi justiça. Foi uma busca do presidente por popularidade. Já avisei aos advogados: vamos até o fim para provar na Justiça que ele era doente.

Consciência.

O Rodrigo às vezes estava consciente, às vezes, não. No penúltimo dia antes da execução, ele soube que ia ser cremado e não quis. ‘Quero ser enterrado no Brasil porque vão transplantar meus órgãos e irei reviver’. Depois disse que iria para o céu e que nos esperaria na porta.

Rodrigo Gularte é escoltado pela policia em Jacarta, na Indonésia, por tentar transportar 6 quilos de cocaina em pranchas de surfe.

Rodrigo Gularte é escoltado pela polícia em Jacarta, na Indonésia, por tentar transportar 6 quilos de cocaína em pranchas de surfe.  (Foto: AP)

No dia em que foi tirado da prisão e levado para o isolamento, não deixaram ele pegar nada na cela. Saiu descalço. Quando o vi, ele falou: ‘Por que eu vim para cá? Se eu ficar um ano aqui vou enlouquecer’. Ele não tinha noção de que seria executado no dia seguinte. Mas eu só ouvi… não quis dizer nada.

O padre [Charlie Burrows, de Cilacap] estava com ele quando foram buscá-lo para a execução. O Rodrigo disse a ele: ‘Padre, eu vou ser executado? Isso não está certo’.

As pessoas que defendem a pena de morte – esse meio tão injusto e brutal – na Indonésia conhecem a Indonésia? A Indonésia consegue ser mais corrupta do que o Brasil. Muitas das pessoas que conheci têm medo da polícia.

Conheci familiares de um pai de família condenado à morte porque não teve dinheiro para pagar propina [a reportagem não localizou nenhum representante da Embaixada do país para comentar a afirmação].

Com o Rodrigo, executaram um senhor preso com 50 gramas de heroína [o nigeriano Martin Anderson, 51]. Essa pessoa merece um tiro? Essas pessoas que julgam não têm pecados? Todos temos.

O Rodrigo pagou dez anos e oito meses preso longe de casa. Arrependeu-se de seu grave erro, aprendeu a lição, mas não teve a segunda chance de viver uma vida melhor. Ele foi preso com mais duas pessoas, mas assumiu a culpa sozinho, e os dois foram liberados. Tenho certeza de que fez isso por medo de que ocorresse algo à família.

O que mudou.

O que mudou em mim nesse período? Primeiro, a dor. A tortura não foi só com o Rodrigo, foi com todos nós, com a família, os irmãos. A dor de se ver impossibilitada de ter justiça, isso acaba com a gente. O Rodrigo tinha saudade de casa e acreditava que podia ter essa chance de estar no convívio da família. Mas temos de aceitar que foi a vontade de Deus ser assim.

Ele falava em ‘libertação de espírito’. Tem uma anotação dele de 17 de fevereiro: ‘Muitas esperanças de um breve fim para nossa situação. Tomara que dessa vez as previsões se confirmem. Faltam menos de 30 dias para a libertação’. Acho que via a morte como libertação.

Me senti muito mal ter trazido ele dessa forma para o Brasil [morto]. Falávamos em voltar para cá, fazer uma horta juntos, ter vida no campo, longe da cidade. Queria ter trazido o ‘Digo’ dessa forma.” (Folhapress)

Compartilhe esta notícia:

Voltar Todas de Brasil

O governo federal deverá lançar um programa de demissão voluntária para servidores
A corrupção livrou o BankBoston de 509 milhões de reais em multas no Brasil, diz o Ministério Público Federal
https://www.osul.com.br/prima-de-brasileiro-fuzilado-na-indonesia-conta-como-foram-os-ultimos-dias-antes-do-fuzilamento-dele-e-diz-que-mantera-processo-na-justica-do-pais/ Prima de brasileiro fuzilado na Indonésia conta como foram os últimos dias antes do fuzilamento dele e diz que manterá processo na Justiça do país 2015-05-11
Deixe seu comentário
Pode te interessar