Terça-feira, 19 de março de 2024
Por Redação O Sul | 21 de outubro de 2018
O plano de privatizar todas as estatais brasileiras, proposto por Paulo Guedes, o guru econômico de Jair Bolsonaro (PSL), poderá reduzir a dívida pública e liberar recursos do governo para áreas como saúde e educação. Mas não necessariamente estimulará a concorrência ou combaterá a corrupção, caso o presidenciável seja eleito, apontam especialistas.
A primeira questão a ser resolvida em um eventual governo Bolsonaro é o impasse entre o presidenciável e seu economista sobre quais empresas serão incluídas no plano, ressaltam economistas ouvidos pelo UOL. Enquanto Guedes já declarou que espera arrecadar até R$ 1 trilhão com a venda de todas as estatais, o candidato tem dito que não venderá companhias consideradas “estratégicas”, como Furnas, Caixa e Banco do Brasil, e que vai preservar o “miolo” da Petrobras.
Em seu plano de governo, Bolsonaro prevê “reduzir em 20% o volume da dívida [pública] por meio de privatizações, concessões, venda de propriedades imobiliárias da União e devolução de recursos em instituições financeiras oficiais que hoje são utilizados sem um benefício claro à população brasileira. Algumas estatais serão extintas, outras privatizadas e, em sua minoria, pelo caráter estratégico serão preservadas.”
Para os economistas, essa seria a principal vantagem do plano de privatizações de Bolsonaro, visto que a dívida pública já alcança R$ 5,2 trilhões, o equivalente a 77,3% do PIB (Produto Interno Bruto).
“O dinheiro das privatizações ajudaria a abater a dívida pública. Os gastos para subsidiar estatais ineficientes também diminuiriam. Mesmo assim, as privatizações seriam apenas um paliativo. O governo ainda continuaria gastando mais do que arrecada. Por isso a reforma da Previdência é essencial”, disse Marcel Balassiano, pesquisador sênior da área de Economia Aplicada do Ibre/FGV.
Os especialistas colocaram em dúvida o valor de R$ 1 trilhão que o economista Paulo Guedes tem citado como valor a arrecadar com a privatização de mais de 140 estatais e a venda de milhares de imóveis da União.
“Mesmo que ele tenha carta branca para vender tudo, esse número parece ser o dobro ou triplo do que ele efetivamente vai conseguir”, ponderou Balassiano.
Para ele, as privatizações tendem a ser positivas. “Temos casos de sucesso como Vale e Embraer. Mas é preciso analisar caso a caso”, disse, considerando que é preciso avaliar a conjuntura. “Talvez não seja o melhor momento para vender alguns ativos. Além disso, uma privatização em massa pode fazer o preço de venda cair.”
Um exemplo é a intenção do candidato do PSL de vender imóveis públicos. “No centro do Rio há vários edifícios do governo. Mas o momento é ruim para vendê-los porque há uma superoferta na região. Os preços estão lá embaixo”, disse Balassiano.
Para André Diz, professor de economia do Ibmec-SP, a equipe de Bolsonaro ainda precisa esclarecer quais serão os objetivos das privatizações.
“Vai privatizar por quê? Para reduzir a corrupção? Para melhorar a eficiência? Ou para resolver o problema fiscal? Se a questão for fiscal, então é preciso ter uma agenda de longo prazo para resolver o problema, e não apenas sair privatizando tudo.”
A falta de um planejamento a longo prazo e de objetivos claros para a economia também preocupa Luiz Pinguelli Rosa, professor de planejamento energético da Coppe/UFRJ, e que foi presidente da Eletrobras em 2003, no primeiro governo de Lula.
Ele lembrou que as empresas continuam sujeitas à corrupção mesmo depois de transferidas à iniciativa privada, citando como exemplo um caso recente envolvendo a Embraer, fabricante de aviões privatizada em 1994. A companhia pagou uma multa de US$ 206 milhões para encerrar uma investigação de corrupção nas justiças dos Estados Unidos e do Brasil.
As autoridades concluíram que a Embraer pagou propina em negociações para venda de aviões na Índia, Arábia Saudita, República Dominicana e Moçambique.
Concorrência
O programa de governo de Bolsonaro afirma: “A linha mestra de nosso processo de privatizações terá como norte o aumento na competição entre empresas. Esse será nosso foco: gerar mais competição. Afinal, com mais empresas concorrendo no mercado, a situação do consumidor melhora, e ele passa a ter acesso a mais opções, de melhor qualidade e a um preço mais barato”.
Mas alguns especialistas discordam da visão. As privatizações favorecem o aumento da eficiência na gestão das empresas, mas não necessariamente promovem o aumento da concorrência.
Eles avaliam, por exemplo, que uma eventual privatização do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal abriria caminho para aumentar ainda mais concentração no setor bancário.
“Hoje você tem três grandes bancos privados [Bradesco, Itaú Unibanco e Santander] e dois grandes públicos. Se você privatizar Banco do Brasil e Caixa, passará a ter cinco grandes privados”, indicou
Roy Martelanc, coordenador da FIA (Fundação Instituto de Administração).