Sexta-feira, 19 de abril de 2024
Por Redação O Sul | 9 de julho de 2017
Marcelo Alonso criou, em 2015, uma página no Facebook chamada “Funk é lixo” e se espantou com o sucesso. Hoje, na terceira versão, a página dedicada a sentar o pau no gênero preferido das periferias tem 141.111 seguidores. O sucesso levou o webdesigner, morador de uma região periférica – Guarulhos, na Grande São Paulo – a dar um passo adiante na sua cruzada: protocolou uma “ideia legislativa” no Senado com a proposta de tornar o funk crime.
Segundo a proposta, “os chamados bailes de ‘pancadões’ são somente um recrutamento organizado nas redes sociais para atender criminosos, estupradores e pedófilos na prática de crime contra a criança e o menor adolescente e ao uso, venda e consumo de álcool e drogas, agenciamento, orgia e exploração sexual, estupro e sexo grupal”.
Alonso conseguiu o apoio de 21.983 cidadãos à proposta, o que garantiu à “ideia” a transformação na “Sugestão Legislativa 17/2017”, que tramita na Casa, podendo se transformar em lei.
O projeto já tem um relator, o senador Romário (Podemos-RJ) e está em discussão na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa. “Apologia em nosso país é crime seja ela em que nível for. O funk prega o extermínio de policiais. Quem me garante que amanhã não serão médicos, professores, juízes, jornalistas”, justifica Marcelo, que já foi rapper e integrou o grupo DJs and MCs.
Para a antropóloga Rose Satiko Hikiji, da Universidade de São Paulo, pesquisadora do rap e do funk, há uma richa entre os dois gêneros, mas nada que justifique uma tentativa de proibição desse tipo. “Isso tem a ver com a radicalização dos discursos que a gente vive hoje, da não aceitação das diferenças. Não deveria ser concebido em sociedades democráticas, mas já existe, de algma forma. A Lei do Silêncio, em São Paulo, por exemplo, é aplicada nas periferias, para atingir o funk e o rap, não nos bairros centrais”, diz ela.
Alonso, que se diz, em termos políticos, “brasileiro” e “decente”, acredita que está lutando para combater “crimes de saúde pública”. “Meu objetivo é rebater a estratégia programática de que funk é cultura”.
Para a cantora Valesca Popuzuda, a proposta de Alonso é um ‘retrocesso total’. “Ele deve achar que música é apenas o que lhe agrada; que cultura é só aquilo que ele vê e conhece, né? Se o funk tivesse surgido na classe alta, ele seria uma das maiores ‘descobertas’ dos últimos tempos”, diz ela, com uma sonora gargalhada.
A funkeira faz questão de frisar que funk tem o papel “de entreter, de divertir, levar alegria e dança”. “Quem tem que educar são os pais”.
Romário
O senador Romário (Podemos-RJ) adota um discurso politicamente correto para falar da proposta que ele tem a responsabilidade de relatar. “É uma oportunidade de falarmos sobre cultura, educação, democracia e preconceito”.
No entanto, a cria do Jacarezinho que sempre curtiu um baile funk deixa claro que é contra o projeto. “É como o samba. Diziam que era ‘música da ralé’. A base é a mesma: o preconceito de classe”.
Quanto à alegação de que há abusos cometidos em bailes funk – como o uso de drogas e álcool por menores –, o senador rebate: “Se fôssemos proibir os pancadões por esse motivo, teríamos que proibir outras festas, começando pelo carnaval. O problema não está na festa e sim nos crimes, que precisam ser combatidos é pela polícia”.