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Colunistas Quem quer comprar palavras? Vendo um combo delas!

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Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

Constatando, entristecido, o desdém com que se trata a questão da atribuição de sentidos, deparei-me com a crônica que consta no título do livro O Vendedor de Palavras, de Fábio Reynol. Trata-se da crise gerada pela “grave falta de palavras”.

Digo para os meus alunos que tudo o que sabemos é pelas palavras que conhecemos (e compreendemos); e tudo o que não sabemos se dá por palavras que ainda não conhecemos. Palavras revelam e escondem. Desvelam e velam. Assim, quando faltam palavras, falta mundo. Que nada seja onde a palavra fracassa, diz Stephan George.

A estória montada por Reynol vai, aqui, por mim adaptada. Aí vai: em um programa de TV, uma escritora lamenta que não se liam livros nesta terra, por isso as palavras estavam em falta na praça. O mal tinha até nome de batismo, como qualquer doença grande, “indigência lexical”.

Um professor, com bom tino comercial, não perdeu tempo em ter uma ideia fantástica. Pegou uma pilha de livros, mesa e cartolina e saiu ao mercado cavar espaço entre os camelôs. Entre uma banca de relógios e outra de lingerie instalou a sua: uma mesa, uma pilha de livros e a cartolina na qual se lia: honestidade — apenas R$ 50!

Demorou quase quatro horas para que o primeiro de mais de 50 jovens estudantes parasse e perguntasse:

O que o senhor está vendendo?

Palavras, meu jovem. A promoção do dia é honestidade a 50 reais, como diz a placa. Na verdade, a promoção é inédita: estou vendendo algumas palavras já “ajuntadas”, uma espécie de combo epistêmico. E vem com um guia de instruções.

O senhor não pode vender palavras. Elas não são suas. Palavras são de todos.

Você sabe o significado de honestidade e epistemologia, d’onde a derivação da palavra epistêmico?

Não.

Então você não as tem. Não vendo algo que as pessoas já têm ou coisas de que elas não precisem.

Mas eu posso pegar essas palavras, uma por uma, de graça no dicionário.

Você tem dicionário em casa?

Não. Mas eu poderia muito bem ir à biblioteca pública e consultar um.

Você estava indo à biblioteca?

Não. Na verdade, eu estou a caminho da livraria para comprar um livro de auto ajuda.

Então veio ao lugar certo. Já que você está para comprar um livro recheado de obviedades e palavras já bem usadas e desgastadas, pode muito bem levar para casa esse combo epistêmico por apenas 50 reais.

Eu não vou usar essa palavra epistêmico e tampouco o combo. Vou pagar para depois esquecê-las ou deixar de lado?

Se você não aproveitar esse livro que vai comprar, vai jogá-lo fora ou fazer o que com ele?

E o senhor, o que pretende com isso? Vai ficar rico vendendo palavras?

– Não.

E por que o senhor não vende livros em vez de palavras?

Justamente por isso. As pessoas não compram as palavras no atacado. Por isso, eu as vendo no varejo e, por vezes, em combo. Se não as compram “amontoadas”, só me resta vendê-las uma a uma.

E o que as pessoas vão fazer com as palavras? Palavras são palavras, não enchem barriga.

Ora, meu jovem. Os filósofos dizem que cada palavra corresponde a um pensamento. Se temos poucas palavras, pensamos pouco. Se eu vender uma palavra por dia, trabalhando 200 dias por ano, serão 200 novos  pensamentos por aí. Isso sem contar os que furtam o meu produto. Há muitos trombadinhas de palavras por aí. Mas também há os que têm medo de descobrir o significado das palavras. Ficam ao redor… mas não compram. Preferem entrar no Google e pegar de terceira mão… Olhe aquele sujeito de gravata fazendo um olhar de desdém. Ora, quem desdenha quer comprar. Nunca me enganou… Eu tenho certeza de que ele tem um dicionário em casa. Assim que chegar lá, vai abri-lo e me roubar a carga. É um sonegador de palavras. De todo modo, suponho que para cada pessoa que se dispõe a comprar uma palavra, pelo menos quatro a roubarão. Mesmo assim, eu provocarei 800 pensamentos novos em um ano de trabalho. Assim, abrirei clareiras de sentidos. Eis o meu lucro! Bingo!

 

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

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https://www.osul.com.br/quem-quer-comprar-palavras-vendo-um-combo-delas/ Quem quer comprar palavras? Vendo um combo delas! 2017-08-05
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