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Por Redação O Sul | 11 de abril de 2018
O anúncio que buscava doadores de esperma na China impunha condições rigorosas. Nada de calvície. Nada de doenças hereditárias como o daltonismo. E o banco do esperma do Terceiro Hospital da Universidade de Pequim também fez questão de esclarecer, se alguém ainda tivesse dúvidas: só aceitaria candidatos que demonstrassem profundo amor pela “pátria socialista”. As informações são do jornal The New York Times.
A campanha do presidente Xi Jinping para reconduzir o Partido Comunista a um papel central na vida cotidiana dos chineses levou faixas com dizeres socialistas às ruas das cidades, raps com letras nacionalistas às rádios, e heróis patrióticos às telas dos cinemas. Agora, Xi inspirou um novo teste de lealdade ao partido: na reprodução.
O anúncio postado pelo banco de esperma do hospital, que circulou amplamente pela mídia social chinesa nos últimos dias, mencionava apoio ao Partido Comunista e a Xi como os principais requisitos para os potenciais doadores. “O candidato deve ter bons pensamentos ideológicos”, o anúncio afirmava, ao descrever o doador ideal, “amar a pátria socialista, e apoiar a liderança do Partido Comunista chinês”.
Os homens que forem aceitos como doadores podem ganhar até cinco mil yuan, ou US$ 800, de acordo com o anúncio. O hospital aceita cerca de 19% dos inscritos, de acordo com uma reportagem publicada em 2016.
O anúncio, que gerou forte zombaria na mídia social, foi removido mais tarde. “O amor pelo país e pelo partido começa já no espermatozoide”, escreveu sarcasticamente um usuário do site de microblogs chinês Weibo.
Diversos comentaristas questionaram as bases para os critérios de seleção. O anúncio também dizia que os candidatos precisavam respeitar a lei, ser honestos e corretos e livres de questões políticas.
“Onde está a prova científica?”, escreveu outro usuário do Weibo.
Um membro da equipe do Terceiro Hospital da Universidade de Pequim, contatado por telefone, preferiu não comentar.
A exigência de Xi quanto a lealdade intransigente ao partido vem encorajando ações exageradamente zelosas por parte de autoridades ansiosas por provar sua devoção. Críticos dizem que Xi está encorajando o retorno ao culto de personalidade, que caiu em desuso na China depois da era de Mao Tse-tung.
No governo de Xi, as autoridades também vêm falando frequentemente sobre a necessidade de instilar o chamado gene vermelho nas gerações mais jovens, em referência à necessidade de levar adiante as tradições comunistas.
William Callahan, professor de relações internacionais na London School of Economics, disse que o anúncio refletia os esforços de Xi para combinar ciência e ideologia.
Nacionalismo e socialismo estão se combinando de maneiras peculiares para promover a identidade chinesa como uma raça consanguínea”, ele disse. “O anúncio sobre o banco de esperma mostra como o partido vem expandindo seu domínio sobre a política chinesa, e como o nacionalismo vem sendo definido cada vez mais em termos de pureza racial.”
O anúncio surge em um momento no qual os bancos de esperma chineses enfrentam pressão para atrair doadores, já que mais famílias estão buscando um segundo filho, depois de o governo relaxar a regra que só autorizava um filho por casal.
A China está sob pressão para expandir sua força de trabalho, com o envelhecimento da classe trabalhadora, e alguns bancos de esperma apelaram a mensagens patrióticas para convencer jovens a se tornarem doadores.
Há quem encare o anúncio com ceticismo, apontando que ele parece ser um caso isolado. Hu Xijin, editor do Global Times, um jornal chinês fortemente nacionalista, disse que o anúncio era ridículo e que parecia ter sido concebido para provocar reportagens críticas na imprensa. “Os líderes de organizações desse tipo, que causam acidentes como esse, deveriam ser responsabilizados e punidos pelos seus atos”, escreveu Hu em post no Weibo.