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Colunistas Um dia de outubro

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Findara um dia primaveril de outubro, deixando lembranças sem vestígios. (Foto: Reprodução)

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

A vidraça, que o separava do vento forte, dava, com sua transparência, a possibilidade de ver o movimento ritmado das águas da Lagoa. São ondas frustradas. Queriam ser marítimas: volumosas, elevadas. Às vezes, (até sem querer, é verdade), assustam os não iniciados aventureiros.

Mas o que via era um ritmo movimentado mas ordeiro de águas; a um tempo, livres e, logo, submetidas. Um pouco como nós próprios: cidadãos de direitos e deveres.

A vidraça continuava ali. Imperturbável. Refletia, sem esforço, a sua imagem? Olhava-se, embaraçado e curioso, ao notar que não se via refletida como se imaginava. Flagrou-se absorto ao não ver o que queria. Estava em busca de perguntas e/ou respostas para temas – tantos e tão diversos – que de uns tempos para cá, se apropriaram do mundo das suas inquietações.

Como no pensamento do Bernard Shaw, agora ele teria tempo para “fazer” seu futuro, só que, provavelmente, não teria futuro para aproveitar.

A lagoa, que banhava suas margens arenosas, fazia-se sinuosa, exibindo-se aos raios de sol das quatro da tarde de um doze de outubro. Era uma daquelas datas de semi-feriado. Os alcançados pelo dia homenageado e homenageante não trabalhavam porque estavam para sua felicidade gozando de um “dolce far niente” oficial. Os outros porque invocavam uma equiparação amparada, falsa mas simpaticamente, num “direito” bizarro, com jurisprudência informal arquivada na biblioteca do ócio. Deliciavam-se com o não fazer chancelado pelo costume.

Mas não era por isso que, ao ver-se na vidraça, parara de andar. Algo recomendava que, ali e já, devia fazer um pit-stop. Obedeceu a convocação que lhe parecia, surpreendentemente, endógena e exógena. Vinha de algum ponto do seu íntimo e se associava a um chamamento externo.

Sentou-se. Apoiou os cotovelos sobre a mesa que – quando havia “encontro familião” – virava a copa dos eventos.

Mais de uma vez, depois de ultrapassar os 65 anos (e disso já fazia algum tempo), por estranha coincidência, recebera más notícias, quando por ali estava: a enfermidade já metástase, então incurável, da companheira que era um pedaço valioso (de si próprio); da morte de dois amigos (amigos mesmo, cujo número se esgota na contagem dos dedos da mão), vítimas de velocidade excessiva; verdadeiro suicídio rodoviário etc.

Assim como ocorreu quando sua mãe morrera – ela por quem tinha, no seu simbolismo infanto-juvenil, um sentimento “em segredo” de esperança convicta de um dom ou de um poder – não importava – de imortalidade. Morrera, depois de tanto lutar pela vida. Descansaria com a morte.

E nesse sofrido necrológio de afetos, já ia a ponto de recordar-se do … (um comando neurológico imediato e tachativo cortou as lembranças).

Dizia apenas: “chega de cultivar sofrimento sem retorno”. De repente, notou que estivera entre sonolento e adormecido. Tudo ocorrera num tempo interminável ou num momento fugaz.

O que (estaria despertado?) pode ver foi que já chegara, sobre a Lagoa, a cor do crepúsculo. Findara um dia primaveril de outubro, deixando lembranças sem vestígios.

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

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https://www.osul.com.br/um-dia-de-outubro/ Um dia de outubro 2018-08-24
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