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Por Redação O Sul | 21 de junho de 2017
Todos os dias, o funcionário da Prefeitura de Baltimore Derrick Hunt conduz uma van carregada de seringas descartáveis até um dos bairros da cidade americana. Vizinha de Washington, ela registrou, de janeiro a setembro do ano passado, 1.344 mortes por overdose de opiáceos – como a heroína.
Ali, Hunt troca seringas usadas por novas e distribui gratuitamente caixas de naloxone, medicação que reverte o efeito da overdose da droga.
O programa é um dos pilares da resposta de Baltimore ao expressivo aumento do consumo de opiáceos. Além da heroína, a cidade enfrentou epidemia de crack nos anos 1980 e 1990 – problema evidenciado em São Paulo por meio da cracolândia.
Há três décadas, a abordagem para o problema das drogas era, preferencialmente, policial. Agora, as autoridades locais tratam os altos índices de consumo de heroína e outros opiáceos como questão de saúde pública, com programas de redução de risco no uso e trabalhando em parceria com clínicas privadas para tratamento voluntário.
O problema do crack não desapareceu, e 236 pessoas morreram por overdose de cocaína nos primeiros nove meses de 2016, quase o dobro do registrado em todo o ano de 2015. Mas foi ofuscado pelo enorme aumento nos casos de overdose de opiáceos, cujo combate tem sido prioridade.
Só o fentanyl, que pode ser 50 vezes mais potente que a heroína, matou 503 pessoas na região de janeiro a setembro. No mesmo período de 2016, 643 morreram por overdose de heroína, alta de 78%.
O crescimento foi um dos que puxou o índice nacional, junto com cidades da Flórida, da Pensilvânia e de Maine, segundo um levantamento do “New York Times” – que aponta aumento recorde de 19% nas mortes por overdose nos EUA no último ano.
Em Baltimore, o Departamento de Saúde diz que evitou, desde janeiro de 2015, 800 mortes por overdose por meio de seus programas, que treinaram 23 mil moradores para o uso do naloxone.
“Tivemos mais de 600 mortes por heroína em 2016, mas 800 famílias não precisaram passar por luto devido a esse esforço”, afirma Mark O’Brien, diretor dos programas de prevenção e tratamento de opiáceos em Baltimore.
Ele reconhece que o gasto é alto: cada dose de naloxone custa US$ 75, e foram distribuídas 18 mil desde 2015, num total de US$ 1,35 bilhão. “É caro, mas não se gasta menos de US$ 1.000 com resposta médica a um caso de overdose.”
Nas três vans do programa de troca de seringas, os funcionários da prefeitura também fazem exames de HIV e dão informações sobre tratamento gratuito por até 90 dias em clínicas parceiras.
“A realidade é que algumas pessoas não querem parar de usar, mas isso não significa que eles tenham que morrer”, afirma Hunt. Com a abordagem “mais humana”, diz, o programa faz com que participantes tenham seis vezes mais chances de optar depois por um tratamento.
Na Man Alive, que foi a primeira clínica do Estado de Maryland a distribuir metadona –medicação usada para tratar dependentes de heroína e opiáceos–, 69% dos pacientes são atendidos por meio do Medicaid, programa do governo para pessoas de baixa renda, 17% têm o tratamento garantido por recursos estaduais e locais, e apenas 6% têm plano de saúde. O restante conta com outros tipos de cobertura.
Na clínica, os dependentes passam primeiro por avaliação física e psicológica e tem sua dose diária de metadona prescrita. A medicação tem que ser retirada todos os dias.
“Tratamos o vício como uma doença, não um fracasso moral. A droga reconfigura o cérebro dos usuários, que passam a depender da medicação como um diabético depende das doses de insulina”, diz Karen Reese, diretora da clínica, que ainda oferece acompanhamento psicológico e cursos de escrita e dança.
Recepcionista da Man Alive há 27 anos, Carleton Fabrick, 66, está em tratamento há 31. Ela começou a usar heroína aos 18, com um ex-namorado, que hoje também busca suas doses diárias de metadona na clínica.
“Acho que é bom para os pacientes que eles olhem para mim e vejam que é possível ter sucesso com o tratamento”, afirma Fabrick.
O incentivo é importante, já que o tratamento não é compulsório. “Se a pessoa considera que não tem muito a perder, os dados mostram que o tratamento compulsório não é efetivo”, afirma o psiquiatra da clínica, Ugandhar Vemulapalli.(Folhapress)