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Por Redação O Sul | 7 de janeiro de 2018
Uma lei para aumentar os impostos sobre o cigarro e rastrear o produto, desde sua produção no Paraguai até seu destino, e evitar o contrabando, tornou-se objeto de disputa política no país a meses da eleição presidencial de abril. A tendência é que a proposta, aprovada no Senado, passe pela Câmara e março após o recesso, mas seja barrada pelo presidente Horacio Cartes, dono da maior empresa de tabaco do país.
O imposto, segundo o texto, subiria de 16% para 30%. “O Paraguai é considerado o maior produtor de tabaco da região e o contrabando de cigarros está vinculado à lavagem de dinheiro e ao financiamento de grupos terroristas. Com a lei atual, sabemos quem é a primeira pessoa a comprar do produtor, mas não o que acontece depois”, diz a senadora Desirée Graciela Masi Jara, do Partido Democrático Progressista, uma das que apresentou a proposta ao lado de dissidentes do Partido Colorado, legenda do presidente.
Um dos países mais afetados pelo contrabando é o Brasil, fato que foi citado pelos senadores paraguaios durante a discussão da lei, em dezembro. Em 2016, segundo dados do Grupo de Proteção à Marca, o Paraguai produziu 45 bilhões de cigarros para um consumo interno de apenas 4 bilhões. De acordo com estimativas do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras do Brasil (Idesf), as marcas de cigarro produzidas pela Tabesa dominam até 80% do mercado ilegal de tabaco em cidades como São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre.
Desde que o debate sobre a legislação se acentuou, a declaração que teve mais impacto no país foi a do ministro da Saúde, Antonio Barrios. Ele afirmou que só 20% dos casos de câncer de pulmão são resultado do tabagismo – no Brasil, o índice chega a 90%. “Não são muitos. Muito mais pessoas morrem por doenças cardiovasculares ou em acidentes de trânsito do que por câncer de pulmão produzido pelo cigarro”, alegou o ministro. A tentativa de um médico de minimizar os efeitos do tabaco foi condenada por associações de saúde e por políticos. Para Desirée, a declaração “foi um marco”. “O ministro não poderia declarar isso. Mas ele é candidato ao Senado e forma parte do projeto político de Cartes”.
Procurado, o ministro Barrios pediu que a reportagem falasse com o diretor jurídico interino do Ministério da Saúde. Ele respondeu apenas que o ministério não foi consultado antes da elaboração do novo projeto de lei. “Para a lei que está em vigor, sim, fomos consultados”, informou por e-mail o advogado do Ministério da Saúde, Gustavo Irala Villar. O texto atual dá um prazo de seis meses para as empresas se adequarem às mudanças – ou seja, adquirirem o sistema escolhido para rastrear o produto, que pode ser, segundo Desirée, um código de barras por pacote. Em caso de descumprimento, a empresa estaria sujeita a multas.
Manobras
Antes das primárias do Partido Colorado, em dezembro, Cartes usou o palanque de seu candidato, Santiago Peña – derrotado por Mario Abdo Benítez na disputa interna para a presidência – para engavetar qualquer mudança na lei.
O imposto sobre o tabaco gera uma receita de US$ 64 milhões por ano ao Estado paraguaio – no Uruguai, por exemplo, a arrecadação é de US$ 204 milhões e na Argentina, de US$ 2,4 bilhões. Com o aumento, o valor deve subir para US$ 500 milhões. Outro argumento usado pelos legisladores que defendem a nova lei é o de que a arrecadação com o novo valor de 1.500 guaranis (R$ 0,85) a ser cobrado por pacote de cigarro será destinada para as áreas da saúde e da educação.
A senadora Desirée afirma que já existe um compromisso público de 41 dos 80 deputados da Câmara e, portanto, está otimista sobre a aprovação da lei. “Vai haver um lobby importante das empresas tabagistas, mas o presidente não controla mais a Câmara”, disse Desirée.