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Redação O Sul
| 30 de julho de 2017
A procuradora-geral da Venezuela, Luisa Ortega Díaz, não se mostra preocupada com seu futuro pessoal, ainda que um dos objetivos da Assembleia Constituinte eleita hoje seja tirá-la do cargo – além de anular a Assembleia Nacional, controlada pela oposição.
Em sua opinião, a decisão do presidente Nicolás Maduro, de acionar a instância encarregada de redigir uma nova Constituição, não servirá para pôr fim à onda de manifestações que sacode a Venezuela há mais de três meses, prestando-se antes a “instaurar um sistema personalista e totalitário”, que será contestado nas ruas, aumentando o risco de mais mortes, feridos e presos.
Em seu gabinete, no Ministério Público venezuelano, a poucas quadras do palácio presidencial de Miraflores, no centro de Caracas, a chavista histórica, hoje rompida com Maduro, recebeu a reportagem para uma entrevista em que falou sobre investigações em curso, envolvendo o pagamento de propinas a autoridades chavistas pela empreiteira Odebrecht, em troca de contratos em grandes obras públicas.
A senhora surpreendeu a aliados e adversários ao anunciar em janeiro que abriria um inquérito para investigar o caso Odebrecht. Muitos imaginavam que isso jamais aconteceria. Em que pé estão as investigações?
É um inquérito muito complexo. É particularmente difícil, uma vez que muitas provas estão nas mãos dos envolvidos, e não temos acesso a elas. Outro obstáculo é que diversas provas encontram-se fora do país. Cada vez que um integrante do Ministério Público se prepara para viajar ao exterior, o governo anula seu passaporte, procedimento que desrespeita a Constituição e é executado por autoridades que usurpam suas funções. Apesar disso avançamos e já temos comprovação de que há muitas autoridades envolvidas em irregularidades. Intimamos parentes de uma delas (o ex-ministro dos Transportes e atual deputado chavista Haiman El Troudi) e nos próximos dias vamos intimar outros.
A senhora sabe qual é o número de autoridades ou ex-autoridades investigadas?
Sei, mas não posso revelar.
São mais ou menos de 20?
Até o momento são menos de 20, mas é preciso incluir não apenas autoridades e ex-autoridades, mas também seus parentes.
Quantas obras estão sob investigação e qual é o volume de recursos envolvido?
Estão sendo investigadas 20 grandes obras de infraestrutura, das quais 9 foram executadas e 11 se encontram paralisadas. A terceira ponte sobre o Rio Orinoco. Nas obras paralisadas, o governo desembolsou um montante aproximado de US$ 30 bilhões. E, apesar de ter pago esses US$ 30 bilhões, as obras não foram concluídas. É um volume de recursos importante, que certamente afetou o Tesouro nacional e prejudicou a prestação de serviços aos cidadãos venezuelanos.
Quais são as irregularidades encontradas até o momento?
Superfaturamento e desvio de recursos. Se todos os contratos foram pagos, por que as obras não foram concluídas? A maioria está totalmente parada.
Nos países envolvidos nesse escândalo, o dinheiro das propinas distribuídas pela Odebrecht ajudou a eleger presidentes. Isso aconteceu também na Venezuela?
Sim, estamos falando de financiamento de campanhas, pois é provável que os recursos distribuídos pela empreiteira tenham sido utilizados para financiar campanhas em geral, não apenas de um grupo, tendo redundado também no enriquecimento de algumas pessoas.
A senhora vê alguma ligação entre essas investigações e o suposto sequestro de alguns parentes seus que teria ocorrido no começo do ano?
Suposto sequestro? Posso garantir que essas pessoas foram sequestradas, sim. Mas não tenho provas que me permitam concluir que o sequestro tenha sido algo mais que um crime comum.
O presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, afirmou a autoridades dos EUA que a empreiteira pagou US$ 98 milhões em propinas a autoridades venezuelanas. Essa cifra é plausível?
É possível, tudo é possível. Encaminhamos uma solicitação às autoridades nos EUA e já temos essa informação, mas ainda não pude analisá-la. Está aqui no meu gabinete.
Seu rompimento com o governo é consequência das coisas que a senhora descobriu nesse caso ou há outros motivos?
Este é um entre vários elementos. Mas as minhas críticas se referem fundamentalmente ao tema das violações dos direitos humanos, ainda que a corrupção também tenha tido papel importante.
Por que então não participou do plebiscito simbólico que a oposição organizou sobre o tema no último domingo?
Eu gostaria de lembrar que sou a procuradora-geral de todos os venezuelanos, não da oposição ou do governo. Cabe a mim manter uma posição que deixe qualquer venezuelano seguro de que será tratado com imparcialidade se precisar recorrer a esta instituição. Além disso, creio ter dito de viva voz e com muita clareza o que penso a respeito da Constituinte. (AE)