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Colunistas Vinho da Puglia

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(Foto: Divulgação)

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

 

Era outono. Dos agradáveis como costumava ser no Rio Grande. Fim de tarde, atende uma ligação de seu clínico, com quem estivera – levando exames – há dois dias. Estranhou quando convidou (ou convocou) para que desse uma passada no consultório (e despejava duas frases de pura retórica: “assim que puder” ou “não tem pressa”).

Foi e ouviu a frase que nunca esperava ouvir. Havia células cancerosas na sua próstata. Era uma suspeita. Imprescindíveis novos exames para re ou ratificar o diagnóstico. Mas tudo indicava que …

Confirmou-se. Quinze pontos da área prostática tinham presença de células “danadinhas”.

Achou uma sacanagem do destino. Agora, profissionalmente, como professor supertitulado, lecionava onde e o que queria, com remuneração compatível, podendo pesquisar e escrever, sem atropelos, não achava justo essa doença mal amada ameaçá-lo. De qualquer maneira, em 3 ou 5 dias completaria 65 anos e programara um jantar para 24 convidados (parentes muito próximos e amigos muito íntimos). A notícia – que só ele recebera – decidira só divulgá-la, quando tivesse metabolizado e pudesse explicar o que era (a doença), qual era (há vários tipos), e se fora descoberta em tempo hábil para combatê-la.

O jantar não poderia ter sido melhor. Havia uma alegria contagiante a tal ponto que o fez desfrutar, sem reservas, do entusiasmo de amigos, daquele tipo – raros, hoje, em dia – capazes de vibrar, com o êxito de um Amigo. Até chegou a esquecer o seu mais novo e corrosivo inimigo.

Depois da festa, veio a ressaca das apreensões. Era preciso agir. Enfrentar o monstro para valer.

Foi a médicos. Dois clínicos lhe disseram que, como estava bem (?) de saúde (partiam de tranquilizadores resultados de um minucioso check-in) tendo, 65 anos, a doença evoluiria lentamente – ela se faz menos agressiva com os idosos.

Disseram mais: você vai morrer de uma batida no trânsito, de um acidente aéreo, talvez de um enfarto. Não opere. Não retire a próstata. Na cirurgia, qualquer imprecisão (o corte de um filamento nervoso pode gerar uma incontinência urinária que inviabiliza uma vida social normal. Isso sem falar no risco para a vida sexual que, por detalhe milimétrico de uma incisão atingindo áreas determinantes gera impotência levando à depressão.

Disseram dois cirurgiões: solução é cirurgia. E enfatizaram: com seu temperamento não suportaria conviver, passivamente, com a enfermidade, que só tenderia a crescer, graças a sua postura de hospedeiro suicida. E concluíram: risco maior é garantir vida a um agente da morte.

Decidiu pela operação. Antes se apercebera que os médicos que o aconselhavam num ou noutro sentido, ao final, faziam uma ressalva: “a decisão final é sua”.

E foi. Em uma semana de pós-operatório o sistema urinário voltara à normalidade. A vida sexual (exigia um pouco mais de tempo, mas, metodicamente foi recompondo o quadro de antes, afastando maus presságios). Tudo funcionando.

Voltemos à atualidade. Nove anos passados. Da doença, a lembrança é um exame (PSA) semestral e a inoculação de um remédio, a cada 4 meses.

E o PSA , na evolução sistêmica, fica na casa do ZERO VÍRGULA. Em geral, zero vírgula um, dois ou três que atestam a vitória (de momento: nada de se gabar!). sobre as “células envenenadas”.

E com esse quadro, nosso herói foi fazer seu PSA semestral. Lembrou-se, voltando da Capital. No carro dirigindo com música alta, que a expedita secretária já devia ter o resultado. De costume, acessava, via internet, com a senha.

Ouviu, já não tinha a audição de antes, em voz que lhe pareceu baixa, a sua frase: “subiu um pouquinho”. Insistiu: “me dá o número”. E entendeu, na resposta, DOIS VÍRGULA SEIS.

Foi um golpe. Uma subida estratosférica. Treze vezes o número do último exame (que dera zero vinte). Valeria uma contra prova? A secretária dissera-lhe que informara, como de costume, o seu médico (especialista que o acompanhava há 6 ou 7 anos).

Contou para a companheira – que também enfrentava a doença – otimista por natureza que, ao ouvir os números não conseguiu esconder a preocupação. Não quis intranquilizar os filhos.

Estava só. A vida passou-lhe em revista. Os bons e os maus momentos. Mais aqueles que estes. Lembrou que, sem praticar, dizia-se (e era) católico. Começou a organizar a sua fase final (quanto tempo teria?). Pensou num testamento; logo passou para o mais urgente. Vieram-lhe a mente passagens de livros (bons) em que os personagens enfrentavam situação parecida (não lhe adiantou muito: cada autor tinha um roteiro diferente).

Foi consumindo um tinto italiano – da região da Puglia – que começara encorpado e, agora, já estava incorporado.

Dormiu. Não lembra se sonhou. As oito e meia, ligou para o médico que o recebeu amável (pensou: está preparando o terreno para dar a notícia trágica), comentando, com voz desanimadora, o quadro trágico quando lhe lembrara que o índice subira. O especialista respondeu: “um pouquinho; dentro da banda”. Irritou-se, com aquela diplomacia dissimulada. Não aguentou e lascou: “que banda, doutor . Dois vírgula sessenta não é banda. É música de requiem”.

O médico, trovejou: “que dois e sessenta? O índice é ZERO VINTE E SEIS.

Nunca foi esclarecido nem ninguém quis saber se a diligente secretária (improvável) se enganara; ou se o próprio ouvira mal e fizera esse “imbróglio” dramático-cômico.

O certo é que ficara, por sorte, virginal e pura, de reserva, uma segunda garrafa de vinho pugliese, assumindo a responsabilidade pela solitária vibração frenética.

Nunca fora tão oportuno relembrar o ditado itálico-etílico dedicado ao tinto:

“Empi il bicchiere vuoto;

Vuota il bicchiere pieno;

Non lasciare mai vuoto;

Non lasciare mai pieno”

PS.: Enche o copo vazio;

Esvazia o copo cheio;

Nunca deixes vazio;

Nunca deixes cheio

cagchiarelli@gmail.com

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Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

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Na era da pós-verdade vale tudo e coerência é artigo raro
O exemplo do Dr. José Camargo
https://www.osul.com.br/vinho-da-puglia/ Vinho da Puglia 2017-07-08
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