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Amilcar Macedo A lei de ferro da oligarquia e a crise da representação política no Brasil contemporâneo

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Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editoriais de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

“Quem diz organização, diz oligarquia.” — Robert Michels, Sociologia dos Partidos Políticos (1911)

Quando Robert Michels publicou sua análise sobre os partidos políticos, no início do século XX, talvez não imaginasse o quanto suas conclusões ecoariam um século depois. Ele observou, com desconfortante lucidez, que toda organização política, mesmo aquelas nascidas sob ideais igualitários, tende, com o tempo, a criar seus próprios dirigentes permanentes. Assim nasceu a “Lei de Ferro da Oligarquia”: a constatação de que a estrutura necessária à democracia termina, paradoxalmente, por miná-la.

O raciocínio de Michels é simples e cruel. Para agir, as massas precisam se organizar; para se organizar, precisam de líderes; e, uma vez no poder, esses líderes aprendem a permanecer. A administração técnica, o controle das informações e o carisma político consolidam uma minoria que passa a decidir em nome de todos. “Quem diz organização, diz oligarquia”, a sentença resume, em poucas palavras, o destino das instituições modernas.

A política brasileira parece um laboratório perfeito dessa lei. Nosso sistema, sustentado em partidos fragmentados e dependentes de coalizões, concentra o poder em cúpulas fechadas. Dirigentes partidários, burocracias estáveis e corporações públicas se perpetuam, travestindo o interesse próprio de interesse coletivo. O resultado é uma democracia de vitrine: plural na aparência, mas profundamente oligárquica na prática.

Michels já percebia o mesmo fenômeno em sua época, ao estudar o Partido Social-Democrata Alemão. A burocracia criada para servir à base acabou dominando-a, transformando-se em elite dirigente. Desde então, a história apenas repetiu o enredo. Max Weber chamou esse processo de “gaiola de ferro” da burocracia; C. Wright Mills viu nele a “elite do poder”, a aliança invisível entre políticos, empresários e militares.

No Brasil, as consequências dessa estrutura são evidentes: partidos que funcionam como feudos, sindicatos que protegem privilégios, instituições de controle que resistem à própria fiscalização. A recente PEC da Blindagem, aprovada na Câmara e rejeitada no Senado, é um exemplo eloquente dessa lógica de autoproteção: pretendia impedir o avanço de processos contra dirigentes partidários e parlamentares sem prévia autorização das Casas Legislativas. Era, em essência, uma tentativa de formalizar a imunidade das elites políticas, um dispositivo de blindagem institucional.

Esse impulso à autodefesa das classes dirigentes encontra eco na leitura de Raymundo Faoro, em Os Donos do Poder. O autor brasileiro descreveu a formação de um patronato político, herdeiro direto do patrimonialismo português, que transformou o Estado em extensão dos interesses privados das elites. Se Michels identificou a lei estrutural que conduz à oligarquia, Faoro mostrou como ela se corporifica no Brasil: em redes de compadrio, burocracias capturadas e dirigentes que tratam o poder como patrimônio. Assim, um revela a engrenagem; o outro, o rosto brasileiro da oligarquia.

A sensação popular de que “os políticos são todos iguais” não é mero cinismo: é intuição social. A multiplicação de partidos não significou pluralismo, mas dispersão e dependência das bases em relação às lideranças. O voto periódico, sem participação efetiva, não dissolve a oligarquia, apenas a legitima. Michels antecipa, assim, o diagnóstico contemporâneo da “democracia fake”, expressão usada por Guriev e Treisman para descrever sistemas em que a forma democrática sobrevive, mas a substância, o controle popular, se esvazia.

Michels, contudo, não se resignava. Admitia que a tendência oligárquica pode ser contida, ainda que jamais eliminada. A transparência, a rotatividade de lideranças, a educação política e o fortalecimento dos espaços deliberativos são os antídotos possíveis. No caso brasileiro, isso significa reaproximar o sistema político dos princípios republicanos de moralidade e impessoalidade previstos no art. 37 da Constituição.

Mais de um século depois, sua advertência permanece incômoda e verdadeira. As instituições democráticas brasileiras sofrem menos de fraqueza formal e mais de captura oligárquica, um processo que atravessa partidos, governos e ideologias. A lição de Michels e Faoro é convergente: o poder tende a se conservar e, se não for vigiado, volta-se contra a própria cidadania. Defender a democracia é, portanto, um exercício diário de desconfiança, um ato republicano de resistência.

“A democracia é sempre um ideal em tensão com suas próprias estruturas.” Parafraseando Michels.

(Amilcar Macedo – Magistrado)

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
O Jornal O Sul adota os princípios editoriais de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

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