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Por Redação O Sul | 27 de fevereiro de 2018
A hashtag #abortolegal se multiplicou entre usuários das redes sociais na Argentina nas últimas duas semanas, no embalo de uma discussão política que, pela primeira vez na História do país, se instalou no Executivo e no Legislativo, com grandes chances de provocar mudanças inéditas no Código Penal nacional. Questionado no passado sobre sua posição em relação às demandas de legalização do aborto, o presidente Mauricio Macri sempre respondeu ser “a favor da vida”, opinião compartilhada pela maioria de seus ministros e congressistas. No entanto, diante da demanda crescente de organizações civis, que em 19 de fevereiro organizaram uma expressiva marcha no centro de Buenos Aires a favor da descriminalização do aborto, a Casa Rosada decidiu promover o debate no Parlamento.
O horizonte ainda é incerto, e as pressões, fortes, de ambos os lados. Mas os alarmantes números de abortos clandestinos e mortes são o principal argumento para levar a questão à pauta política. O governo Macri pediu a seus aliados no Parlamento que reúnam informações atuais e façam uma radiografia do aborto na Argentina.
De acordo com estimativas de especialistas, são realizados cerca de 500 mil abortos ilegais por ano no país. Em 2016, abortos mal realizados mataram 43 mulheres. Hoje, o Código Penal argentino permite o aborto nos casos de risco à vida da mulher, estupro e incesto. Mas, muitas vezes, essas ocorrências terminam na Suprema Corte, e a realidade é que a resistência entre os médicos é enorme, mesmo com uma ordem judicial que autorize a intervenção.
Uma das alternativas avaliadas pelos congressistas é propor uma legislação nos moldes da aprovada no ano passado no Chile, uma das principais conquistas do governo de Michelle Bachelet. Além de permitir o aborto em casos de estupro e de risco à vida materna, as novas normas chilenas permitem a interrupção da gravidez se o feto for inviável. Mas associações civis argentinas querem uma legislação mais avançada e insistem na descriminalização total do aborto.
“O que Macri está fazendo é uma grande novidade para a Argentina. Durante os 13 anos de kirchnerismo, a senadora e ex-presidente Cristina Kirchner (2007-2015) jamais permitiu que o aborto fosse debatido no Congresso”, disse a jornalista Silvia Mercado, do site Infobae.
Numa mudança de 180 graus em relação a posições passadas, o kirchnerismo é um dos setores do Congresso que, hoje, mais pedem o debate. O deputado Máximo Kirchner, filho da ex-presidente, chegou a comparecer a uma marcha política usando o lenço verde dos manifestantes pró-descriminalização, revelando qual será seu voto. Não está claro, porém, se a metamorfose incluirá a ex-presidente.
“Não vejo nenhuma diferença entre eliminar a vida de uma criança que está por nascer e a de uma que já nasceu. Sou contra a despenalização do aborto e acho que teremos muitos aliados, até mesmo Cristina”, alfinetou o senador macrista Federico Pinedo.
Há três anos, o Ministério da Saúde argentino publicou, a pedido da Corte Suprema, um “Protocolo para a atenção integral de pessoas com direito a interromper uma gravidez”. As normas existem, mas, no dia a dia, muitos médicos alegam razões de consciência moral para não realizar abortos, o que obriga a Justiça a intervir.
Macri é ciente desse flagelo social e, por recomendação de seus líderes parlamentares, optou por abrir uma porta que sempre esteve fechada. No próximo dia 6 de março, associações civis entregarão ao Parlamento uma nova proposta de modificação do Código Penal, que será discutida em comissões internas, com participação de especialistas.
“O aborto legal existe na Argentina há quase cem anos. O Executivo deve exigir seu cumprimento, mas isso não acontece. É muito difícil que os hospitais públicos acatem as normas vigentes”, admitiu Ginés González Garcia, ex-ministro da Saúde.
A América Latina como um todo é conhecida por ter legislações conservadoras sobre aborto. O fato de a interrupção voluntária da gravidez ser crime na esmagadora maioria dos seus países é apontado por especialistas como a principal explicação para o alto número de abortos e de mortes maternas na região. De acordo com o relatório mais recente da Organização Mundial de Saúde sobre o tema, publicado em setembro do ano passado, 6,4 milhões de abortos foram realizados na América Latina a cada ano no período entre 2010 e 2014. Destes, 76,4% foram inseguros.