Desde que os Estados Unidos passaram a enviar navios de guerra para o Caribe como um modo de frear o narcotráfico na região e no Pacífico Oriental, há o temor de que a mobilização militar ordenada pelo governo norte-americano possa, na verdade, representar uma tentativa de forçar a saída de Nicolás Maduro do poder. Com a escalada de tensão, aumenta ainda a preocupação de que o conflito possa evoluir para um confronto direto entre os dois países, podendo abrir precedentes para intervenções em outros países da América Latina e impulsionar a instabilidade política na região.
Analistas ouvidos pelo jornal O Estado de S. Paulo consideram que um confronto direto entre Estados Unidos e Venezuela seria ruim para toda a América do Sul e ainda pior para os venezuelanos.
As consequências desse embate, segundo os analistas, poderiam ocasionar em um caos generalizado em todo o continente, gerando instabilidade política e econômica ainda maior na Venezuela, além de provocar a migração em massa da população a países vizinhos, incluindo o Brasil, assim como a expansão do narcotráfico em regiões fronteiriças.
Na Venezuela, os ataques às embarcações não estão repercutindo do mesmo modo em que a discussão tem ganhado o noticiário internacional, em especial pela preocupação dos países vizinhos sobre a evolução da escalada da tensão. Martínez (nome fictício), morador local ouvido pelo Estadão que por motivos de segurança preferiu não se identificar, disse que a população venezuelana não debate o assunto e oculta suas opiniões sobre a problemática por haver um “enorme medo de represálias”.
Em coincidência com os ataques americanos às embarcações venezuelanas, o morador diz que a situação econômica do país é muito difícil e está se deteriorando de uma maneira “monstruosa”. “Estamos entrando novamente em um período de hiperinflação e nós perdemos uma boa parte de nossa capacidade de compra”, afirmou.
Na opinião dele, essa conjuntura pode estourar uma onda de protestos sociais no país. “Não sentimos que os ataques polarizaram o debate na Venezuela, mas no fundo há um silêncio expectante esperando que algo aconteça. Caso algo aconteça, possivelmente estaremos nos manifestando, porque 80% do país quer uma mudança política”, destacou.
Martínez considera que o conflito entre os dois países continuará se escalando, não com uma ação definitiva, mas de forma progressiva.
“Nós temos aqui uma escalada progressiva de um conflito que busca dissuadir a outra parte de continuar no rumo que está, e obrigá-la, por assim dizer, a dobrar o volante e evitar uma espécie de colisão frontal que seria letal para quem tem o ‘menor carro’ com menores chances de defesa”.
O venezuelano espera que haja alguma ação racional, seja de dentro do governo Maduro ou entre os que o apoiam e têm acesso direto ao presidente para que não haja um conflito direto entre Estados Unidos e Venezuela, como é temido.
Washington acusa o governo venezuelano de liderar um cartel de drogas e, desde agosto, lançou uma operação antidrogas no Caribe e no Pacífico, cuja legalidade também tem sido questionada internacionalmente. Segundo Washington, essa força militar tem como objetivo frear o narcotráfico.
O governo americano ainda alertou que realizaria ataques terrestres e autorizou operações da Agência Central de Inteligência (CIA) na Venezuela. As autoridades venezuelanas dizem ter capturado criminosos ligados à CIA e afirmam ter desmantelado “operações de falsa bandeira” que buscavam justificar um ataque em território venezuelano. Na sexta-feira, 31, porém, o presidente Donald Trump disse não planejar ataques à Venezuela.
Nas últimas semanas, pelo menos 62 pessoas morreram no Caribe e no Pacífico em ataques armados realizados por Washington contra embarcações que, segundo o governo americano, pertenceriam ao tráfico de drogas. No entanto, parentes das vítimas afirmam que algumas delas eram apenas pescadores.
Ao relatar as reações de Maduro a ataques como as ofensivas realizadas pelos EUA, Martínez conta que o presidente reage assim como fazem os sequestradores em uma situação de sequestro. “A Venezuela responde ameaçando, tantos líderes políticos como sociais, que irão efetuar maiores represálias contra atores vinculados ou que simpatizam com a oposição, tentando espantá-los com as consequências que teriam com o avançar do cenário, sobretudo para aqueles que estão dentro do país”, afirmou. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
