Quarta-feira, 14 de maio de 2025
Por Redação O Sul | 26 de agosto de 2017
Milhares de pacientes que precisam de um coração novo mas não conseguem um transplante estão morrendo desnecessariamente por não terem acesso a tecnologia de ponta, diz o cirurgião da Universidade de Oxford, em seu recém-lançado livro “Fragile Lives” (Vidas Frágeis, em tradução livre), onde conta os casos mais envolventes de sua carreira, marcada por inovações no uso de corações artificiais.
Salva-vidas tecnológicos, corações artificiais podem reduzir os sintomas e prolongar a vida de pacientes com insuficiência cardíaca por anos, permitindo-lhes esperar por um transplante em casa e até mesmo servir de solução permanente para os que não se qualificam para receber um coração transplantado. Porém, com modelos chegando a custar em torno de R$ 500 mil, o acesso aos aparelhos é restrito até em sistemas de saúde pública de países desenvolvidos.
Pioneiro no implante de corações artificiais de fluxo contínuo, Westaby foi o primeiro a mostrar que seres humanos não precisam de batimentos cardíacos. Pacientes que passam por esse procedimento ganham um coração artificial que não produz pulso, e precisam recarregar as baterias do aparelho regularmente através de um cabo implantado na base do crânio. Um pequeno preço a ser pago por mais tempo de vida com qualidade, argumenta o cirurgião.
Westaby recebeu a reportagem em sua casa nos arredores de Oxford, onde apresentou o coração artificial que está sendo desenvolvido pela empresa que montou.
O sr. conta em seu livro sobre a operação da bebê Kirsty, que tinha uma anomalia congênita rara e estava prestes a morrer, até que decidiu tentar um procedimento radical proposto pelo cirurgião brasileiro Randas Batista, usado em pacientes com doença de Chagas: remover parte do coração e remodelar sua geometria.
Stephen Westaby – Eu tinha assistido à palestra de Batista numa conferência e decidi que a única coisa que ainda poderia tentar para salvar Kirsty. Ele foi muito criticado pelos americanos porque eles tentaram aplicar o procedimento a outros tipos de doenças e não funcionou bem. Foi ótimo para Kirsty, ela está perfeitamente saudável hoje, 18 anos depois.
Por que esse caso foi tão importante em sua carreira?
Anos depois, uma ressonância magnética mostrou que o coração dela não mostrava sinais dos ataques cardíacos que tinha sofrido. O caso nos ensinou que células-tronco fetais poderiam remover cicatrizes [do músculo cardíaco]. Então começamos a fabricar células-tronco para tratar adultos. Realizamos um estudo clínico na Grécia e vimos que células-tronco removeram parte das cicatrizes do coração de pacientes que tinham tido ataques cardíacos. Foi um achado extraordinário. Começaremos com a fase 2 de estudos clínicos em setembro. Se Kirsty tivesse morrido, não teríamos descoberto essa possibilidade animadora de regeneração do coração.
É possível combinar o tratamento com células-tronco e o coração artificial?
Fizemos isso [primeira fase de estudos clínicos] na Grécia. Colocamos um coração artificial e células-tronco num paciente desesperadamente doente cinco anos atrás e ele hoje vive uma vida normal e pratica caça esportiva. Partindo de um quadro de deficiência completa, temos agora uma alternativa ao transplante de coração. Há tão poucos transplantes de coração que, no Reino Unido, apenas em torno de 1% das pessoas que precisam de um o conseguem.
Estamos próximos de um tempo onde ter um coração artificial será tão bom quanto um transplante de coração?
Muitos centros de transplante alemães hoje recomendam corações artificiais como primeira linha de tratamento e o transplante de coração se houver problema com o dispositivo. As coisas estão mudando. Eu tive alguns pacientes com corações artificiais aos quais foi oferecido um transplante de coração depois de dois ou três anos que eles viviam com seus dispositivos e eles recusaram, devido à perda da qualidade de vida. Se você passa por um transplante de coração, as drogas imunossupressoras que terá que tomar podem causar câncer e outros problemas. Pelo caminho que tenho trilhado, deve-se tentar melhorar a condição do próprio coração dos pacientes com células-tronco enquanto eles têm um dispositivo implantado. Isso se eles puderem pagar, porque sistemas de saúde pública não poderão pagar.
Acredita no princípio da saúde pública e universal?
Acredito. Mas hoje no Reino Unido alguns tratamentos não podem ser custeados. E não só corações artificiais caros, mas também remédios para hepatite C, para alguns tipos de câncer… Nós não temos mais acesso ao que há de melhor. Nosso sistema público de saúde foi criado em 1948, e a medicina era muito simples até então. Agora é muito complexa, cara. Eu apoio a saúde pública, mas é preciso pagar por ela. (Folhapress)