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Por Redação O Sul | 7 de outubro de 2017
O argentino é dado a nostalgias. Seja na música, com Carlos Gardel, na política, com Juan Perón, as referências dão um eterno ar de anos 1960 a Buenos Aires. Há, claro, sopros de renovação. Eterna órfã do ídolo maior Diego Maradona, a Argentina viu em Lionel Messi a chance de reviver a glória de 1986 no México. E se frustrou. Copa após Copa, os torcedores viram murchar suas expectativas. Ao mesmo tempo em que o craque se tornava o melhor do mundo, passava a ser contestado em seu próprio país.
Foi sempre uma relação quente. De ambos os lados, diga-se. Messi, que deixou a Argentina aos 13 anos e chegou a ser “acusado” de não ter identificação com o país, anunciou sua aposentadoria da Albiceleste em 2016, mas voltou atrás. Após três vices seguidos (Mundial de 2014 e Copas Américas de 2015 e 2016), porém, a Argentina começa a dividir responsabilidades. Na próxima terça, a seleção jogará sua vaga na Rússia-2018 contra o Equador, na altitude de 2.850m de Quito, após empate com o Peru na Bombonera. A vitória garante ao menos um lugar na repescagem. O peso não mais estará todo nas costas de seu melhor jogador.
Existe a máxima de que Maradona “foi campeão sozinho em 1986”. A equipe, de fato, não era recheada de talentos, mas o coletivo sobressaía. Diego era o fator de desequilíbrio. Messi faz o papel de Maradona – se melhor ou pior, será sempre uma discussão. O torcedor resolveu tirar um dos pés do passado, fincá-lo na justiça e passou a se perguntar: e agora, quem é o novo Valdano? Burruchaga? Batista?
“Para rodear Messi, é necessário jogadores muito bons. Na seleção que eu jogava, havia o Kempes, mas também sete ou oito outros que o respaldavam. Em 86, Maradona não jogava sozinho. Se ele não aparecer, quem o faz? Ninguém”, diz ao diário “Olé” Daniel Bertoni, campeão mundial em 1978. “Mas falta liderança. Messi é um líder técnico, mas não o vejo falar com o juiz, discutir, dar um grito” acrescenta.
As imagens do craque no Barcelona seduzem. A cada aperto, espera-se que, tal qual o próprio no Barça, ou Maradona contra a Inglaterra, Messi ponha a bola debaixo do braço, drible um time inteiro e faça o gol. Mas o futebol, cada vez com menos espaço, torna-se mais refém do processo coletivo. Ao menos é o sentimento que aflora em nossos vizinhos.
“Além das três vezes em que serviu a Benedetto, ele também deixou Gómez e Rigoni na cara do gol. A Messi não se pode pedir mais. Que seus companheiros sejam generosos e não se apequenem”, escreveu o jornalista Enrique Gastañaga no jornal Clarín.
O fracasso em encontrar o parceiro ou o encaixe ideal de Messi na seleção é lembrado pelo jornalista Christian Leblebidjian no jornal La Nación. Hoje, sob responsabilidade do técnico Jorge Sampaoli, o problema se repetiu também com Tata Martino e Edgardo Bauza.
“Messi segue sozinho. Ele não consegue render nem nenhum companheiro o ajuda a consegui-lo. São todos parceiros potenciais, mas nenhum real. Ninguém se afiançou”, afirmou Leblebidjian.
A boa vontade com Messi, no momento, existe. Se é apenas um afago às vésperas da decisão, só o resultado dirá. Ficar fora da Copa do Mundo, o que não ocorre desde 1970, pode se tornar uma mancha na carreira de um dos mais brilhantes jogadores de todos os tempos – um fardo para quem conquistou quatro Liga dos Campeões e foi eleito o melhor do mundo cinco vezes.
Ou, ao menos, virar uma pá de cal na relação entre a Albiceleste e seu craque. Em 2022, Messi terá 35 anos. Possivelmente, não estará mais em seu auge para defender a Argentina. E, talvez, ambos sem mais paciência um com o outro.
Apegado às tradições, o argentino acordará na terça-feira menos afeito ao drama do tango. Trocará, de bom grado, pelo ânimo do reggaeton, a música que embala a juventude portenha. Mas espera dormir satisfeito, sonhando enfim com Messi, ao som clichê de Gardel em sua Buenos Aires querida.