“Quando Cristóvão Colombo se lançou à travessia dos grandes espaços vazios a oeste da Ecúmene, havia aceitado o desafio das lendas. (….) O mundo era o Mar Mediterrâneo com suas costas ambíguas: Europa, África, Ásia. Os navegantes portugueses asseguravam que os ventos do oeste traziam cadáveres estranhos e às vezes arrastavam troncos curiosamente talhados, mas ninguém suspeitava que o mundo seria, logo, assombrosamente acrescido por uma vasta terra nova.”
É assim que o uruguaio Eduardo Galeano começa seu clássico As Veias Abertas da América Latina, livro publicado em 1971 que narra a história da região e seu lugar no mundo. O escritor, assim como toda a historiografia ocidental, parte da primeira viagem do navegador genovês — entre o porto de Palos, na região da Andaluzia, na Espanha, e a Isla de Guanahaní (atual Bahamas), onde sua frota desembarcou na manhã do dia 12 de outubro de 1492 — para contar sobre o encontro inaugural entre aqueles que já habitavam as ilhas do Mar Caraíbas, os taínos, e exploradores vindos de outras partes do planeta.
Para os primeiros, aquele contato inédito marcaria o início de toda a história da invasão europeia e da posterior colonização dos territórios e povos existentes deste lado do globo, enquanto, para os segundos, seria o marco inaugural de uma narrativa hegemônica até hoje em torno de uma “descoberta da América”.
O encontro é narrado a partir de Colombo em coletâneas respeitadas, como na História da América Latina organizada pelo historiador britânico Leslie Bethell ou nos volumes de Historia de la Conquista, escritas pelo estadunidense William Prescott na primeira metade do século 18.
Com isso, possibilidades alternativas – como a de que os vikings da Groelândia teriam assentado colônias no litoral do Canadá ou de que a “grande terra, fértil e de clima delicioso” supostamente encontrada (e descrita) por um capitão fenício do outro lado do oceano por volta de 500 a. C. era a América — ficaram sempre às margens.
O 12 de outubro, por sua vez, é lembrado até hoje nos lugares envolvidos na trama: na Espanha, por exemplo, um decreto do General Francisco Franco em fevereiro de 1958 o batizou de “Dia da Hispanidade”. Nos anos anteriores, porém, ele já era chamada pelos espanhóis e pela maioria dos países da América Latina de “Dia da Raça”.
Descoberta chinesa
Há quase duas décadas, no entanto, uma história alternativa da “descoberta” das Américas se espalhou: a de que, ao contrário do consenso historiográfico, frotas encabeçadas por dois almirantes chineses, Zhou Man e Hong Bao, haviam navegado da África até a foz do Rio Orenoco, na atual Venezuela, descendo depois por toda a costa do continente até o do Estreito de Magalhães, ao sul da América do Sul, ainda no ano de 1421 – portanto, 71 anos antes da viagem de Cristóvão Colombo. Eles tinham sido treinados e eram liderados pelo grande navegador chinês daquela época: o eunuco muçulmano Zheng He.
A tese, cujas versões já existiam antes, ficou famosa por meio de dois best-sellers escritos pelo ex-comandante da Marinha britânica Gavin Menzies no começo dos anos 2000: 1421: o ano em que a China descobriu o mundo (Bertrand, 2006) e Who Discovered America? The Untold History of the Peopling of the Americas (“Quem descobriu a América? A história oculta dos povos das Américas”, sem tradução).
Apesar da tese ser fortemente criticada pela historiografia pelo trato pouco ortodoxo com as provas históricas, a discussão permanece em aberto entre especialistas do mundo todo. Alguns deles afirmam hoje que, ainda que os chineses não tenham, de fato, navegado pela costa americana antes de Colombo, é possível dizer que eles reuniam meios para fazê-lo.
“Tecnologicamente falando, a China tinha condições de chegar às Américas ou outras terras, e até não podemos descartar que isso tenha acontecido: por um lado, muitos navegadores podem ter chegado nelas e morrido no regresso ou sequer tenham feito registros das descobertas No entanto, a questão é que a tecnologia sozinha não responde essa pergunta”, explica Rita Feodrippe, pesquisadora da Escola Naval de Guerra e estudiosa da marinha chinesa.
