Ícone do site Jornal O Sul

A força-tarefa da Operação Lava-Jato muda a conduta ao pedir regime semiaberto para Lula

Tribunal afirmou que o pedido "fere" o princípio da livre iniciativa. (Foto: Reprodução)

Os​ procuradores da Operação Lava-Jato mudaram seu comportamento habitual na operação ao tomar a iniciativa de pedir a progressão de regime para o ex-presidente Lula.

Além de ser atípico a Procuradoria se manifestar em relação a essa hipótese antes mesmo da defesa, a força-tarefa de Curitiba, no caso do petista, abriu a possibilidade de saída da cadeia mesmo sem o pagamento neste momento da reparação de danos a cofres públicos — decorrentes do crime de corrupção e lavagem no caso do triplex de Guarujá (SP).

Em documento encaminhado à Justiça Federal na última sexta (27), como antecipou a Folha, a equipe coordenada pelo procurador Deltan Dallagnol afirma que Lula segue as condicionantes para que vá para o regime semiaberto, uma vez que já cumpriu um sexto da pena e teve bom comportamento na cadeia.

Os procuradores disseram ainda que existe a “garantia integral à reparação do dano e à devolução do produto do ilícito praticado”. Lula está com bens bloqueados por ordem da Justiça e ainda não pagou essas quantias a título de reparação, já que ainda cabem recursos nas instâncias superiores contra a condenação.

O pedido dos procuradores está sob análise da juíza Carolina Lebbos, que administra a pena do ex-presidente.

Na segunda-feira (30), o ex-presidente desafiou a Lava-Jato e divulgou uma carta na qual diz que não aceita barganhar seus direitos para sair da prisão — Lula atingiu a marca de um sexto da pena por corrupção e lavagem no caso do tríplex de Guarujá, principal requisito para que ele saia do regime fechado.

Essa flexibilidade da Lava-Jato em relação ao pagamento da reparação de danos aos cofres públicos não aconteceu em relação a outros presos da operação, que questionam em várias instâncias da Justiça a obrigatoriedade de quitar essa pendência para só então poder progredir de regime.

A manifestação da Lava-Jato e a resistência do ex-presidente ocorrem às vésperas de julgamentos do Supremo Tribunal Federal que podem ter desdobramentos em sua condição. Um dos advogados que esteve com Lula nesta segunda considera que a saída do petista será inevitável e que a manifestação da força-tarefa de Curitiba visa se adiantar para evitar um protagonismo do STF.

A força-tarefa vem atuando há anos contra tentativas de condenados de sair da cadeia sem que tenha havido o pagamento dessa obrigação.

Em abril, a equipe coordenada por Deltan deu parecer contrário à ida do ex-diretor da Petrobras Renato Duque para o semiaberto, após cinco anos de regime fechado, argumentando que não houve a reparação integral dos danos aos cofres públicos, ainda que ele tenha confessado crimes. Duque continua preso.

“É a primeira vez que isso acontece no bojo da Lava-Jato”, diz o advogado e professor Marcelo Lebre, que atua em casos da operação no Paraná. Ele vê a situação como “casuísmo” e entende que o critério gera insegurança jurídica e quebra de isonomia em relação a outros presos.

Em fevereiro, o grupo de procuradores reagiu contra medida da Justiça Estadual que beneficiaria o ex-senador Gim Argello com a liberdade condicional mediante o parcelamento da reparação de danos de R$ 7,35 milhões e pediu que a Justiça Federal fosse reconhecida como a responsável por administrar esse tipo de ressarcimento.

Em casos de presos que permanecem no sistema penitenciário estadual do Paraná, quem trata do dia a dia do cumprimento da pena de condenados da operação são promotores de Justiça e juízes estaduais. Argello acabou saindo da cadeia em junho passado, beneficiado por um indulto.

Uma lei federal de 2003, sancionada por Lula quando era presidente, estabelece que a progressão de regime de condenados em crimes contra a administração pública só deve ocorrer após a “devolução do produto do ilícito praticado”.

No caso de Lula, a reparação dos danos aos cofres públicos relacionados ao caso tríplex foi fixada em R$ 2,4 milhões pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) — na segunda instância, havia sido estabelecido um valor de R$ 16 milhões.

Em muitos dos casos da Lava-Jato, o cálculo dos danos a serem reparados são feitos com base em porcentagens de contratos da Petrobras investigados, o que impulsiona as dimensões desses valores. As defesas reclamam que a cobrança do pagamento ocorre mesmo entre aqueles que têm bens bloqueados, que ficam sem ter condições práticas de quitar esses valores.

A Procuradoria rebatia argumentando que há a alternativa de vender antecipadamente os bens arrestados, saída criticada pelas defesas.

O ex-diretor da Petrobras Jorge Zelada chegou a escrever neste ano uma denúncia de violação de direitos humanos na Comissão Interamericana de Direitos Humanos afirmando que é um preso por dívida, algo proibido pela legislação. O Ministério Público Federal cobrava do ex-diretor a formalização de uma declaração de insolvência.

Na reclamação de Zelada, ele apontou que condenados por crimes violentos (como o casal Nardoni, acusado de matar a filha, e Suzane Von Richthofen, que cumpre pena pelo assassinato dos pais) conseguiram progredir de pena.

Sair da versão mobile