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A incultura de um país e seu prejuízo: por que odiamos garantias jurídicas?

Novas regras entrarão em vigor no próximo semestre. (Foto: EBC)

Tarde da noite, zapeava pela TV dia desses e me deparei com um programa de entrevistas em um canal de Porto Alegre. Os convidados: um promotor, um advogado e um vereador, casualmente, advogado. A opinião do apresentador “fechava” com a do vereador e a do advogado-vereador.

O tema era a lava jato. Muito já se escreveu sobre essa operação. Não vou rediscutir, aqui, o que já escrevi centenas de vezes nos mais diversos veículos de comunicação, que vão do Conjur à Revista Veja, passando pelo Estadão e Folha de São Paulo, além de canais de TV do Brasil e do exterior.

O ponto aqui é outro. Fiquei impressionado com o nível da discussão. De direito não se falou. Falou-se, sim, dos juízos morais e políticos de cada um. O pobre causídico – em minoria – ficou encurralado pelo vociferante Promotor, pelo apresentador e pelo vereador. Todos bradavam contra o Supremo Tribunal. E o Ministro Gilmar era o mais atacado. Um deles achava que era melhor fechar a Corte.

Para o Promotor, as leis são muito lenientes. O sistema dá garantais demais. Alguém fez uma crítica arrasadora a Getúlio Vargas (o que ele tinha a ver com assunto, não sei). Equiparou Getúlio ao regime de 64. Já o vereador parecia um médico falando contra antibióticos e vacinas, se me entendem a alegoria. O vereador odeia o Direito e direitos. Minha pergunta: por que será que não cursou engenharia? Ou por que não cursou filosofia moral?

Enfim, debates como esse mostram o que fizeram com os cursos jurídicos Brasil afora. Concursos públicos e prova da OAB quiz shows perguntam coisas irrespondíveis, que são de domínio apenas de quem frequenta os cursinhos de preparação, uma indústria incultural que colabora na mediocretização das profissões jurídicas.

A Constituição brasileira é a mais democrática do mundo. Que pessoas fora do Direito a critiquem, por razões morais ou politicas (ou econômicas), OK. Mas alguém formado em Direito dizendo que esta é uma Constituição que traz direitos demais? Mas, pergunto aos bacharéis: uma Constituição não é, exatamente, uma carta de direitos? Trata de direitos. Em todos os países do mundo.

Fico pensando acerca da responsabilidade dos meios de comunicação na formulação de críticas àquilo que assegura exatamente o direito de falar o que se quiser sobre ela mesma, a Constituição.

Com relação ao STF, os participantes do programa bem que poderiam apontar as decisões que estão destruindo o país. Não faz muito, aqui na capital, manifestantes ligados a grupos de direta (ou extrema direita) queimaram silhuetas dos onze ministros do Supremo Tribunal. Algo tipo Ku Klux Klan. Não sei se algum vereador não estava junto, acendendo fósforos.

O ponto, todavia, nem é a discussão sobre a lava jato (basta ver o que o Intercept já divulgou e o que gente como o ex-ministro Aires Brito, insuspeito nesse assunto, já disse) ou sobre se temos ou não garantias em excessos.

O que quero dizer é que quem critica assim age quando não é ele quem precisa de garantias. Um vereador aqui da Capital, hoje envolvido com a justiça inclusive no nível “ergastular”, falava – dizem – contra a Constituição e contra o STF. Criticava o excesso de garantias. Todo mundo faz isso, até o dia em que precisa…das garantias. E do STF. Malditas garantias. Malditas…

Minha pergunta: por que as faculdades de Direito se transformaram nesse nicho de formação de pessoas reacionárias, que reage fortemente contra o produto do que foi estudado – o Direito a ter direitos? Seria por que este país fica a cada dia mais inculto? Por que o senso comum domina a tanta gente? Estuda-se…e as respostas e opiniões são apenas uma espécie de naturalização do senso comum.

Dia a dia acredito mais que Alasdair MacIntyre (no livro After Virtue) estava certo em sua distopia sobre o No Nothing (Saber Nenhum) como o novo paradigma vencedor. Bom, no Brasil 25% das pessoas acreditam na história de Adão e Eva e 7% acham que a terra é plana.

 

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