“Olha o que você fez! Tá feliz?! Era isso que você queria? Você matou sua filha por overdose de cocaína.” Faz dez anos que Daniele Toledo do Prado ouviu tais palavras de uma médica – e não há um único dia em que ela não se lembre, sílaba a sílaba, dessa frase carregada de dor. As pungentes memórias da jovem mãe de Taubaté (SP) que foi injustamente presa, acusada de assassinar a filha de 1 ano e 3 meses, estão para sair no livro “Tristeza em Pó” (Editora NVersos, 176 páginas, preço: 29,90 reais).
Na noite de 28 de outubro de 2006, Daniele, então com 21 anos, tentou levar sua filha Victória para um hospital. A menina sofria de problemas de saúde, nunca diagnosticados com precisão, desde o nascimento.
“A gravidez foi complicada e ela nasceu prematura, de 7 meses”, conta Daniele. “Ela só veio para casa com 2 meses e meio de idade. Mas logo começou a ter febres convulsivas e a partir do sexto mês o quadro se agravou muito. Entre idas e vindas, até sua morte, foram oito vezes em que ela ficou internada na UTI [Unidade de Terapia Intensiva].” Era uma rotina complicada. Victória recebia alta, passava dois ou três dias em casa e novamente era encaminhada para o hospital.
Naquele sábado, entretanto, por uma estranha ordem administrativa, conforme o relato de Daniele, a instituição médica não aceitou a menina. “Então corri para outro hospital”, recorda-se. Passaram ali a noite. Sete da manhã de domingo, a médica informou à mãe que a garota estava quase em estado de coma – e febre, muita febre. “Quinze minutos depois, ela teve a primeira parada cardiorrespiratória”, conta. “Foi a última vez que a peguei no colo: para levá-la para a emergência.” Na terceira parada, Victória não resistiu.
“Eram 10h40min quando a médica me disse que eu tinha matado minha filha. Cinco minutos depois, recebi voz de prisão, em flagrante. Não me deixaram nem encostar na minha filha. Fui para a cadeia sem entender o que tinha acontecido. Não vivi o luto. Fiquei muitos anos ainda imaginando que minha filha pudesse estar viva”, diz.
A partir de um teste rápido no leite que escorria da boca de Victória, os policiais concluíram que havia indícios de cocaína, incriminando Daniele. No mesmo dia, parte da imprensa veiculava o caso, chamando-a de “o monstro da mamadeira”.
Sofrimento.
Sem saber direito se sua filha estava morta, Daniele enfrentou camburão, delegacia e cadeia pública. “Uma carcereira me advertiu: não diga o motivo de sua prisão, para sua segurança”, lembra-se. Segundo ela, dividia espaço com outras 19 detentas. “Durante a madrugada, uma televisão ligada ali entregou para elas quem eu era”, diz.
Daniele recebeu quatro horas de espancamento. Das agressões, restam as sequelas. “Tive traumatismo intracraniano, fraturas na mandíbula, na escápula, na clavícula, perda total da audição e da visão do lado direito, mobilidade reduzida do lado direito e três coágulos cerebrais – que me obrigam a tomar medicação para evitar convulsões”, enumera.
“Foram 37 dias, mas parece que foram 37 anos. Na prisão, o tempo não passa. E eu tinha medo de não ver mais minha família, ficava em desespero por saber que eu não tinha feito nada de errado, isso tudo me deixava bastante revoltada”, afirma.
Sua liberação só foi autorizada após um laudo constatar que não havia resquícios de cocaína no corpo da menina. “O que deve ter dado falso positivo para o teste rápido foi a medicação que ela tomava por causa das convulsões. Por orientação médica, costumava misturar ao leite, para facilitar a ingestão.”
Inocentada judicialmente dois anos depois, Daniele acredita que um episódio ocorrido dias antes da morte de sua filha tenha feito com que o hospital não a aceitasse. Ela relata que, em uma das noites em que passava na instituição com Victória internada, teria sido estuprada por um estudante de Medicina.
Daniele move dois processos em que pede indenizações. Um por causa da injusta prisão e do espancamento. O outro por causa do episódio de violência sexual.
Hoje com 31 anos, Daniele é divorciada e vive com seu outro filho, que tem 13 anos. (AE)
