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A procura por corpos em Brumadinho ainda não tem data para terminar. Os bombeiros já admitem que nem todas as vítimas da tragédia serão encontradas

Em casos onde os restos mortais não forem encontrados, a certidão de óbito poderá ser emitida por "morte presumida". (Foto: Agência Brasil)

Os trabalhos de busca e resgate de corpos de vítimas em Brumadinho (MG) continuam a ser feitos pelo Corpo de Bombeiros e não têm data para terminar. No entanto, a própria corporação já admite que nem todos os corpos deverão ser encontrados na lama de rejeitos da barragem da Vale que se rompeu em 25 de janeiro. Até a última sexta-feira, eram 157 mortos e 182 desaparecidos.

Nos casos em que o corpo da vítima não for encontrado após o encerramento das buscas, as certidões de óbito não poderão ser emitidas de imediato e deverão se dar por meio da chamada “morte presumida”, que se aplica a casos em que a família não declarou ausência anterior da pessoa.

Especialista em direito processual civil, o advogado Fernando Dantas, explica que, como não há um corpo para que o médico legista possa assinar o atestado de óbito no IML (Instituto Médico-Legal), as famílias das vítimas deverão entrar na Justiça com um pedido de morte presumida. A entrada do processo tem de ser feita por meio de advogado particular ou da Defensoria Pública de Minas Gerais.

A legislação brasileira determina que pode ser declarada a morte presumida, sem que a pessoa estivesse ausente anteriormente, se “for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida; [e] se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra”.

O procedimento é o mesmo utilizado em acidentes de aeronaves em que nem todos os corpos são encontrados. A medida também já teve de ser utilizada em acidentes com plataformas petrolíferas no Brasil, como o da P-36 da Petrobras, na Bacia de Campos (RJ), em 2001.

O professor de Direito da FGV (Fundação Getúlio Vargas) do Rio de Janeiro Gustavo Kloh ressalta que a declaração só pode ser dada quando esgotadas todas as buscas, sendo que a sentença fixa uma data provável de falecimento. No episódio de Brumadinho, a tendência é que seja o dia do rompimento.

“A família precisa desse papel para obter a certidão de óbito, poder pedir pensão por morte e começar o inventário. Dar prosseguimento a trâmites legais. E, claro, fechar um ciclo do ente querido”, afirma.

O tempo para a análise do pedido pela Justiça e o eventual deferimento costuma variar entre semanas e meses. A avaliação de Kloh é que, como o ocorrido em Brumadinho foi amplamente divulgado pela imprensa e sabe-se a dinâmica do caminho da lama, não deve demorar. “Acho que vai ter uma tolerância. É improvável que o Judiciário vá negar a morte presumida de vítimas em Brumadinho”, avalia.

O advogado Fernando Dantas faz a mesma avaliação quanto ao tempo e diz que diversos elementos são utilizados para a concessão favorável da sentença que substitui juridicamente o atestado de óbito: “Não existe a materialização do corpo, então se analisa se houve alta probabilidade de ter acontecido o desastre com aquela pessoa e se ela estava ali. A família e a empresa podem entregar evidências”.

O professor da faculdade de direito da UnB (Universidade de Brasília) Bruno Rangel da Silva afirma que, num desastre deste tamanho, não há decisão sem margem de erro. Porém, considera que a maioria das famílias dos desaparecidos deve ter indícios mínimos para embasar o pedido.

Burocracia

A Defensoria Pública de Minas Gerais instalou uma base de atendimento em Brumadinho para apoiar moradores que não possam pagar por um advogado. Procurado pela imprensa, o Ministério Público estadual informou que acompanhará o trabalho do Judiciário para, se necessário, pedir celeridade nos processos. Após a declaração por morte presumida ser expedida pela Justiça mineira, o cartório de Brumadinho poderá confeccionar a certidão de óbito.

Rangel ressalta que há ainda a possibilidade de pessoas sem relação com a Vale ou com a região estarem passando pelo local na hora do rompimento e terem sido atingidas pela avalanche de rejeitos. Nesse caso, a família poderá não conseguir demonstrar a correlação entre o desaparecimento do parente e o incidente da mineradora, e pode levar até dez anos para a vítima ser declarada falecida, e a certidão de óbito, entregue.

O primeiro passo será a família da vítima declarar a ausência da pessoa em até um ano do ocorrido. Depois desse prazo, a Justiça dará a sentença. Se favorável ao entendimento do desaparecimento por causa do rompimento da barragem, é aberta a sucessão provisória. Esta só será convertida em definitiva após dez anos do trânsito em julgado da decisão anterior ou se o desaparecido tiver, à época, pelo menos 80 anos de idade e não tiver dado notícias há, no mínimo cinco anos.

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