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A taxa de juros pode estar abaixo do limite mínimo

O mercado correu para ajustar apostas em relação ao nível da Selic. (Foto: Marcello Casal/Agência Brasil)

O desarranjo que se vê no mercado de dívida mobiliária, fruto do expressivo aumento do risco fiscal no país, acende uma luz amarela sobre outra questão que já está no radar do Banco Central: se a queda da Selic foi longe demais. O fato de o Tesouro Nacional ter que pagar um prêmio ao mercado para vender seus títulos públicos, inclusive os pós-fixados, pode ser um indício de que, com um quadro fiscal frágil, o país não poderá permanecer com um juro básico tão reduzido, mesmo com um cenário de atividade extremamente fraca.

“A curva de juros ultrainclinada e a LFT com deságio são sinais de que, com o quadro fiscal atual, o juro está baixo demais”, diz Sergio Goldenstein, analista independente da Omninvest e ex-chefe do Departamento do Mercado Aberto (Demab) do BC. “Há evidências de que o ‘lower bound’ foi cruzado faz tempo.”

O desafio do Tesouro, neste momento, é enorme. A dívida pública deve chegar perto de 100% do PIB no fim deste ano. E até abril do ano que vem ele terá que encarar um vencimento de R$ 700 bilhões em títulos públicos. O mercado só aceita refinanciar essa dívida em troca de um prêmio cada vez mais alto. Afinal, o governo não se mostra disposto a tomar medidas impopulares para colocar as contas em ordem, implicando um riscos para o teto de gastos. É por isso que o Tesouro tem rolado uma parte importante de sua dívida com títulos curtos, para fugir desse prêmio alto.

“Isso tem um limite. Encurtar muito a dívida, deixaria o Tesouro refém do mercado e ser obrigado a pagar o que o mercado exigir”, explica Goldenstein. “Acho até que ele já encurtou demais. É por isso que a venda de LFT, títulos atrelados à Selic e que têm prazo de quatro ou cinco anos, é um instrumento necessário para evitar o encurtamento excessivo da dívida.”

A questão, explica Goldenstein, é que o mercado já vem dando demonstrações de pouco interesse pelas LFTs desde o ano passado, exatamente por causa do nível baixo do juro. Ainda assim, nos últimos meses, com necessidade de rolar uma dívida muito maior e pagando juros mais altos pelos prefixados, o Tesouro tem sido obrigado a elevar a oferta desse papel. São volumes muito pequenos diante do total das ofertas – segundo cálculos do economista, do total de papéis vendidos em setembro apenas 4% eram LFTs. Mesmo assim, sem apetite por parte do investidor, o Tesouro também tem que pagar um prêmio – chamado de deságio no caso do pós-fixado -, que já chegou a
0,30%, o que é considerado um sinal de alerta. No começo de setembro, essa taxa era muito menor, de 0,04%.

“Se temos conjuntura cada vez mais pressionada, pode-se questionar se esses 2% [de Selic] já não ultrapassaram esse limite [o lower bound]”, diz o economista-chefe do UBS BB, Tony Volpon. Para ele, que foi diretor de Relações Internacionais do BC, a própria autoridade monetária reconhece que esse patamar – para além do qual uma redução adicional da Selic resultaria no contrário do esperado, desestimulando a economia e afastando a inflação da meta – é variável.

O movimento das LFTs tem levantado preocupações justamente porque boa parte dos fundos DI tiveram quota negativa em setembro. Como o perfil do investidor nesse tipo de fundo é superconservador, o temor é que a rentabilidade negativa pode levar a uma onda de saques. Caso isso ocorra, os fundos teriam que vender os títulos que têm em carteira, desvalorizando ainda mais os preços, em uma espécie de espiral negativa.

Dada a situação frágil do mercado para LFTs, o mercado tem optado pelas operações compromissadas do Banco Central. Esse instrumento consiste na venda com compromisso de recompra de títulos públicos do Tesouro que ficam na carteira do BC. E, para alguns, acaba servindo de concorrência para os leilões do Tesouro.

O volume das operações compromissadas tem aumentado nos últimos meses como resultado da elevação do déficit público. Para esterilizar o impacto do aumento desse déficit sobre o sistema financeiro, o BC tem que retirar liquidez por meio desse instrumento, que tem impacto, portanto, sobre a dívida bruta. Para se ter uma ideia, em dezembro de 2019 o estoque das operações compromissadas estava em R$ 932 bilhões e, em agosto, já havia alcançado R$ 1,59 trilhão. “O volume é absurdo, mas reflete o déficit público mais alto”, diz Goldenstein.

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