No noite de 5 abril do ano passado, a rainha Elizabeth II, em um raro pronunciamento à nação — só fez cinco nos 69 anos de reinado — tentou consolar os súditos diante do avanço da pandemia do coronavírus. Em referência à canção que ganhou fama por entoar notas de esperança durante a Segunda Guerra Mundial, disse: “Vamos nos encontrar novamente”. Àquela altura, pouco se sabia sobre a doença que mataria quase três milhões de pessoas pelo mundo e faria do Reino Unido um dos países com a maior proporção de óbitos em relação ao tamanho da população. Agora, contudo, os britânicos estão mais confiantes nas palavras da monarca.
Sob uma terceira quarentena, eles comemoram o sucesso da maior campanha de vacinação da sua História. Nesta semana, um em cada cinco terá recebido a primeira dose de um dos três imunizantes já aprovados para uso no Sistema Nacional de Saúde (NHS, na sigla em inglês).
Oficialmente, o governo promete vacinar até o início de maio todos os adultos com mais de 50 anos, profissionais da linha de frente da Covid-19 e cuidadores de idosos, ou 50% da população. Mas já há quem calcule que, se tudo correr como previsto e não faltar imunizante, todos terão recebido sua primeira dose até o início de julho. As agências de viagens agradecem: já receberam centenas de pedidos de reservas dos primeiros da fila. Até agora, cerca de 12 milhões tomaram a primeira dose no país, e meio milhão, a segunda.
O país foi dos primeiros a sair em campo atrás de vacinas. Apostou em sete diferentes, enquanto ainda estavam em fase de testes. Encomendou 407 milhões de doses, o suficiente para vacinar três vezes, com duas doses, a população de 66 milhões.
Em abril de 2020, o governo criou uma força-tarefa para garantir os imunizantes necessários. Escolheu para liderá-la Kate Bingham, bioquímica e especialista em capital de risco no mercado financeiro. A “czarina das vacinas”, como tem sido chamada, contratou uma equipe de especialistas do setor privado com quem montou uma lista dos 23 antígenos mais promissores e um plano logístico. Fora da União Europeia (UE), que fez encomendas conjuntas para os 27 países do bloco, os britânicos agiram depressa. Assinaram contratos e, com isso, receberam os primeiros carregamentos antes de todo mundo.
Pontos de vacinação
A iniciativa despertou a fúria da UE, que ameaçou suspender as exportações de vacinas fabricadas dentro do bloco para não ficar para trás — a da Pfizer BionTech é produzida na Bélgica. Líderes europeus chegaram a acusar o laboratório britânico-sueco AstraZeneka, que fabrica o imunizante desenvolvido pela Universidade de Oxford, de dar preferência ao Reino Unido. Foi a primeira grande crise diplomática dos dois lados do Canal da Mancha desde o Brexit.
Julian Tang, virologista da Universidade de Leicester, afirmou que, apesar das falhas na compra de kits de testes e de equipamentos médicos de proteção, o Reino Unido reconheceu a importância das vacinas cedo: “Isso, o sequenciamento dos genomas e a condução de testes clínicos teve relativo sucesso. Contudo, o país não controlou bem o vírus”, afirmou Tang.
Montou-se uma operação de guerra. Com contingentes do NHS, das Forças Armadas e milhares de voluntários, entre eles médicos aposentados, mais de 1.500 pontos de vacinação foram abertos. Além de hospitais e clínicas, ginásios, estádios, catedrais e prédios históricos viraram cenário da imunização. A brasileira Monica O’May, de 63 anos, ainda não acredita na sorte que teve. Mudou-se de bairro, e ao registrar o novo endereço no sistema do NHS, foi chamada dois dias depois para a primeira dose da Pfizer. A explicação pode estar na agilidade do programa do bairro, ou no seu perfil demográfico mais jovem.
Como em muitos países, a campanha é por ordem de idade. Neste momento, estão sendo convocadas as pessoas com mais de 70 anos. Os convites são feitos por e-mail e por telefone. As clínicas da família enviam aos pacientes atualizações quase diárias sobre o processo. O sistema de saúde britânico é gratuito e centralizado. Tem todas as informações médicas da população.