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A voz de Tóquio

A ascensão de Sanae Takaichi ao cargo de Primeira-Ministra marca o encerramento da era da timidez diplomática do Japão. Ao declarar inequivocamente que uma agressão chinesa a Taiwan constituiria “situação de ameaça à sobrevivência” do seu país, Takaichi alinhou a política externa japonesa à dura realidade do século XXI: a segurança de Taiwan é, de fato e indissociavelmente, a segurança da Ásia. Esta postura não deve ser lida como belicismo, mas como um necessário realismo geográfico e estratégico.

A decisão da Primeira-Ministra de abandonar a tradicional “ambiguidade estratégica” em favor de uma “clareza tática” foi recebida com a previsível fúria de Pequim. As retaliações chinesas, que variam desde a suspensão de importações de produtos japoneses até o congelamento do turismo e uma retórica inflamada sobre ultrapassar “linhas vermelhas”, acabam por expor a fragilidade dos argumentos do vizinho comunista. Quando uma nação soberana reage a uma postura defensiva de um vizinho com coerção econômica e ameaças veladas, ela apenas valida a necessidade urgente dessa defesa. A liderança de Takaichi, ao recusar-se a ceder a essa chantagem, envia uma mensagem crucial ao mundo: o Japão não será refém de seu maior parceiro comercial quando sua existência estiver em jogo.

Essa audácia política não ocorre no vácuo, encontrando forte ressonância na renovada aliança com Washington e no apoio de uma comunidade internacional cada vez mais cautelosa com o expansionismo chinês. A comunicação direta com a Casa Branca sugere que Washington vê em Takaichi a parceira ideal para a manutenção de um “Indo-Pacífico Livre e Aberto”. Ao verbalizar o que muitos líderes ocidentais pensam, mas hesitam em dizer por temor econômico, o Japão assume a liderança política que condiz com seu peso global. No centro desta disputa está a recusa em aceitar a ficção diplomática de que a ilha democrática de Taiwan seria apenas uma simples província rebelde.

A análise técnica e jurídica corrobora a posição japonesa, pois Taiwan opera como um país pleno sob qualquer critério objetivo de direito internacional. A ilha preenche todos os requisitos da clássica Convenção de Montevidéu para a personalidade jurídica de um Estado: possui uma população permanente de 23 milhões de habitantes com identidade própria, detém território definido com fronteiras claras e jurisdição efetiva, é gerida por um governo democrático, funcional e autônomo que cobra impostos, emite passaportes e demonstra plena capacidade de estabelecer relações com outras nações. Ao tratar Taiwan como parceiro estratégico, Takaichi não está inventando uma nova realidade, mas apenas reconhecendo a existência de um Estado que possui suas próprias leis, forças armadas, moeda e plena autonomia.

Em última análise, a atitude de Sanae Takaichi representa um divisor de águas na geopolítica asiática. Diante das ameaças de Pequim, a resposta do Japão sob sua liderança não foi o recuo habitual, mas a firmeza baseada em princípios. Ao defender o direito de Taiwan de existir livre de coerção, a Primeira-Ministra defende também a ordem internacional baseada em regras, lembrando que a complacência com regimes expansionistas historicamente apenas convida a maiores agressões. O Japão posiciona-se agora não apenas como um observador ansioso, mas como um guardião ativo da liberdade e da estabilidade no Pacífico.

(Márcio Coimbra é CEO da Casa Política e Presidente-Executivo do Instituto Monitor da Democracia. Conselheiro e Diretor de Relações Internacionais da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais – Abrig. Mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos – 2007. Ex-Diretor da Apex-Brasil e do Senado Federal)

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