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Adoção de filhos por casais gays pode estar com os dias contados

Felipe e Davison esperam com seus pais, Fábio Canuto e Marcos Gladstone, a chegada da irmã. (Crédito: Reprodução)

Quando deixaram um antigo abrigo, em 2011, os meninos Felipe, então com 7 anos, e Davison, com 8, sabiam que não teriam uma família formada por pai e mãe. E isso nunca foi um problema. Seus novos pais eram o advogado Marcos Gladstone, 39, e o administrador Fábio Inácio Canuto, 36, que aguardam a chegada ao lar de uma menina. Só depois disso, dizem, a família estará completa.

Contudo, a vontade dos meninos Felipe e Davison, hoje com 11 e 12 anos, de ganhar uma irmã está ameaçada pelo projeto de lei 6583/13, o chamado Estatuto da Família. De autoria do deputado Anderson Ferreira (PR-PE), a proposta restringe família àquela formada por homem e mulher.

Se aprovado, o projeto dificultará que a menina tenha os mesmos benefícios que os irmãos. Impedida de ser adotada pelo casal, não será herdeira direta de Marcos e Fábio nem será incluída no plano de saúde familiar.

“Será como se dentro da família passasse a existir a figura do ‘subparente’”, lamenta Gladstone. Ele e seu companheiro, Inácio, são pastores na Igreja Cristã Contemporânea. “O discurso é de proteção à instituição família, mas visa, na verdade, destruir famílias formadas por laços de amor.”

Em sentido contrário ao Estatuto da Família, tramita no Congresso o projeto de lei 470/13, da senadora Lídice da Mata (PSB-BA). Chamado de Estatuto das Famílias, no plural, a proposta unifica as várias decisões do Judiciário em favor dos núcleos não tradicionais.

O projeto beneficia 60 mil famílias formadas a partir da união de pessoas do mesmo sexo, conforme o último censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Incluirá ainda outras configurações não convencionais de família heterossexuais – aquelas com apenas o pai ou a mãe, ou somente avós ou irmãos.
“Há uma disputa no Congresso entre uma força que busca a exclusividade de uns e a que inclui e garante direito a todos os cidadãos. Torço para que vença a que é inclusiva”, defende Gladstone. O reconhecimento familiar assegura direitos como o de impenhorabilidade do imóvel onde residem. Garante ainda questões do dia a dia, como a inclusão de dependentes, o visto de permanência, o acesso ao salário-família e à pensão.

Pelo sim pelo não, o casal resolveu correr para adotar a futura filha. “É triste que queiram limitar o sentido de família. Casais gays adotam justamente os que a maioria heterossexual não quer”, defende Gladstone, lembrando que, por isso, o processo para adoção dos seus meninos levou menos de seis meses. “Não estamos falando do direito dos adultos, mas do bem-estar das crianças”, afirmou.

“Apenas da união de homem e mulher é que nasce criança.”

Diferentemente da família Gladstone/Canuto, os Braga Grillo não perdem nem ganham com a aprovação de qualquer dos estatutos em tramitação no Congresso. Eles pertencem ao grupo dos 49,9% das famílias brasileiras formadas por homem, mulher e filhos.

Para a família, as várias relações de afeto devem ser valorizadas. Mas avaliam que nenhum grupo que não reúna “pai, mãe e filhos” deve ser reconhecido pelo Estado. “Não temos nenhum tipo de reserva com as chamadas famílias não convencionais”, diz o coronel da reserva Miguel Angelo, 58, patriarca dos Braga Grillo. “Mas o Estado não deve trazer para o mesmo guarda-chuva jurídico outras configurações por um motivo simples: apenas da união de homem e mulher é que nasce criança.” A preocupação de Grillo é que filhos das outras formações sofram bullying.

Para o pedagogo Rodrigo Almeida, a preocupação é desnecessária. “O bullying deve ser combatido, ensinando a lidar com as diferenças, não as eliminando. Crianças podem aprender que existem pessoas e famílias diferentes das dela”, diz.

A presidente da comissão de diversidade da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Maria Berenice Dias, diz que “a lei tem de acompanhar as mudanças familiares”, além de “garantir direitos já reconhecidos pelo Judiciário”. “A proposta é criar um estatuto nos moldes do que nos protege da violência doméstica. A interpretação do STF [Supremo Tribunal Federal] sobre a Constituição reconhece que independe a configuração: família merece ser tratada igual.” (Nonato Viegas/AD)

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