Ícone do site Jornal O Sul

Adultos disfuncionais

(Foto: Divulgação)

Nunca antes na história desse país se falou tanto em… bebê reborn!

Sério. É absolutamente inacreditável termos sido “atropelados” por essa febre maluca, enquanto o mundo desaba, o país passa pelo maior escândalo de corrupção da sua história (ou alguém já esqueceu os mais de 90 bi roubados dos pensionistas do INSS), a Janja reclama para o presidente da China que o Tiktok é pró-direita (até isso aconteceu, meu povo!), o nosso presidente reclama para os ministros, o presidente da CBF caiu, o presidente dos Estados Unidos faz visita histórica aos Emirados Árabes e até a Virgínia – A VIRGINIA! – presta depoimento em CPI no Congresso Nacional. TUDO isso aconteceu. Mas o que roubou a atenção do povo brasileiro foi a discussão sobre os limites éticos que envolvem a “maternidade” de um bebê reborn.

É claro que nada acontece por acaso e, se esse tema monopolizou as manchetes, é porque despertou interesse. E é isso que assusta. Seja pela carência doentia de quem age com um reborn como se fosse de verdade, seja pela sanha de obter holofotes e angariar audiência entrando nessa dança (alô influencers?), é absolutamente sintomático que um país sucumba a uma discussão tão nonsense.

Vejamos. Estamos falando de pessoas adultas que compram – sim, COMPRAM – um boneco que realmente parece um bebê, extremamente realista, e agem como se mães ou pais fossem. Como eu sempre digo, cada um que faça o que bem entender com a sua vida. Quer gastar dinheiro criando um boneco? O dinheiro foi obtido de forma lícita? Você não precisa dar explicação quanto aos seus gastos para mais ninguém? Faça o que bem entender, se isso te faz feliz. Ah, quer postar também? Vá em frente! Tem quem dê audiência e valide o seu sentimento de pertencimento? Beleza. Vocês então não estão sozinhos nesse mundo duro que requer…responsabilidade real.

É preciso fazer uma ressalva, tá? E é bem importante. Há quem tenha passado por um trauma, uma perda, e utilize o boneco como ferramenta de cura. Respeito e excluo de toda essa análise aqui feita. Mas são esses os casos excepcionais. O que mais temos visto é gente querendo “causar” mesmo. Que coisa ridícula. Mas, enfim. Faça o que bem entender.

Ocorre que esses fatos revelam uma camada mais profunda, que nos faz questionar o porquê desses acontecimentos. O que leva as pessoas a atitudes tão descabidas? Uma criança que cria uma boneca é saudável. Até os 6 ou 7 anos, o pensamento da criança é predominantemente mágico e simbólico. Ela ainda não diferencia totalmente o que é real do que é imaginado, e usa a fantasia para preencher lacunas de compreensão. Fantasiar — inventando personagens, mundos ou situações — é uma forma segura e lúdica de elaborar medos, frustrações, desejos e inseguranças.

A pergunta que devemos nos fazer, então, é: o que está levando tantos adultos a fantasiar a vida? Será que nos defrontamos com novas gerações que não conseguem enfrentar as responsabilidades reais? Que têm medo de se apegar? Que não sabem encarar relacionamentos com pessoas? Se assim for, é preciso ser sincera: estamos diante de adultos disfuncionais. Porque um adulto que não tem condições de viver entre pessoas de carne e osso e, a partir disso, elaborar seus sentimentos e gerenciar as suas emoções em sociedade é, enfim, um adulto disfuncional. Um adulto que não funciona. Um adulto que não cresceu. E isso, em termos de sociedade, é sério. Muito sério.

Como se não bastasse, há mais uma questão da qual não podemos fugir. Não se trata apenas de avaliar essa realidade para refletir sobre suas dores – e como repará-las. O problema pode ser imediato, na medida em que extrapola o âmbito privado e atinge o público: o meu, o seu, o nosso mundo. Porque se se trata de saúde pública, atinge a todos nós, seja financeiramente, seja culturalmente. E até mesmo emocionalmente: ver isso acontecer é triste, muito triste.

Mas peraí, pode ficar pior. Quando esses adultos disfuncionais levam seus bebês inanimados para hospitais públicos, enchendo o que já está sobrecarregado, atrapalhando o andamento do que já é confuso. Tirar o espaço de um outro ser humano para brincar de boneca…aí a gente entra na seara do outro. Porque o limite da minha liberdade é a liberdade alheia.

Então vamos botar o preto no branco e combinar o seguinte: quer ser mãe ou pai de boneca? Vá fundo. Sugiro uma terapia, paralelamente. Mas é só uma dica, faça o que bem entender da sua vida. Porém, usar esse objeto para ocupar o que deveria ser de GENTE, da gente…aí você passou dos limites, e o poder público deve intervir. Porque não, isso não é normal.

E, no fim das contas, não é que o tema precisava mesmo ser debatido? Rendeu todo esse texto e, certamente, renderia muito mais. Mas, sinceramente, acho que chega. O mundo não para, a Janja não para, os valores roubados do INSS ainda não foram devolvidos, as provas da escola dos filhos não param e todos nós temos nossos boletos para pagar. Adultos de verdade, né? É assim a nossa vida.

Instagram: @ali.klemt

Sair da versão mobile