Os governos de todo o mundo estão desesperados por vacinas, com muitos se digladiando publicamente por doses limitadas e acusando outros de estocar insumos. No entanto, mesmo com essa pressa, alguns países não apenas estão recusando doses potenciais produzidas por rivais, mas também as proibindo oficialmente.
A Ucrânia recentemente baniu as vacinas russas, apesar dos novos dados revisados por pares sugerindo que a principal candidata de Moscou, a Sputnik V, tem alta eficácia. O governo iraniano, por sua vez, proibiu todas as vacinas feitas nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha e aprovou a Sputnik V da Rússia.
Em Taiwan, onde as autoridades vêm se manifestando contra as vacinas fabricadas na China desde o ano passado, o governo recentemente reiterou que as importações dessas vacinas serão proibidas e alertou que os civis taiwaneses que vivem na China podem ficar em quarentena quando voltarem para casa.
É uma inversão da lógica do nacionalismo da vacina, que levou nações poderosas a colher o máximo de doses que conseguiam na esperança de sair da pandemia. Mais de 80 milhões de doses de vacinas já foram distribuídas em mais de 50 países, com alguns deles avançando rapidamente na vacinação.
Mas a Ucrânia, o Irã e o Taiwan não iniciaram formalmente seus programas de imunização. E, se Taiwan vem recebendo muitos elogios por seu enfrentamento bem-sucedido à pandemia, a Ucrânia e o Irã estão com muitas dificuldades, com um número considerável de mortos.
Para os especialistas, é uma tendência alarmante, embora não necessariamente surpreendente.
“É uma combinação de cálculos políticos: além da chance de adquirir de fato as doses, existem as preocupações quanto à eficácia e à segurança das vacinas”, disse Yanzhong Huang, pesquisador sênior do Conselho de Relações Exteriores.
Pavlo Kovtoniuk, vice-ministro da saúde da Ucrânia de 2016 a 2019, disse que a preocupação de Kiev com as vacinas promovidas por Moscou não era apenas política, mas uma questão de segurança nacional.
“Nas últimas décadas, e especialmente durante os sete anos que antecederam a guerra não declarada, a Ucrânia entendeu muito bem o que é uma guerra híbrida”, disse Kovtoniuk.
Ucrânia
Apesar da crescente raiva política diante da falta de vacina no país, os parlamentares ucranianos aprovaram na semana passada um projeto de lei que bane oficialmente as vacinas feitas na Rússia.
Com uma população de mais de 40 milhões, a Ucrânia é um dos maiores países europeus que ainda não iniciou a campanha oficial de vacinação. O presidente Volodmir Zelenski está enfrentando seus mais baixos índices de aprovação durante uma pandemia que infectou 1,25 milhão de pessoas e causou mais de 23 mil mortes.
Parte da preocupação diz respeito aos aspectos de segurança e eficiência: os dados dos testes da Fase 3 da Sputnik V foram divulgados muito depois de a vacina ser lançada na Rússia.
Irã
O Irã foi gravemente atingido pelo coronavírus, com mais de 1,42 milhão de casos registrados e quase 60 mil mortes. Mas, em janeiro, o líder supremo anunciou que o país havia proibido a importação de vacinas feitas nos Estados Unidos ou na Grã-Bretanha.
O aiatolá Ali Khamenei fez o anúncio em discurso televisionado no dia 8 de janeiro, qualificando as vacinas de “proibidas”. O líder supremo apontou a vacina Pfizer-BioNTech como um dos produtos que seriam proibidos, apesar de sua aprovação por outras nações e da alta eficiência comprovada.
“Eles são completamente indignos de confiança”, disse. “Se eles conseguiram mesmo criar uma vacina (…) por que querem nos dar? Por que eles próprios não a usam?”.
Taiwan
As autoridades taiwanesas reiteraram no mês passado que a importação de vacinas feitas na China estava proibida, com o Conselho de Assuntos Interiores da ilha dizendo à Reuters que a vacinação era uma questão médica e que “não deveria ser usada como propaganda política”.
O anúncio foi feito após relatos de que a China, que reivindica soberania sobre o governo autônomo de Taiwan, estava oferecendo uma vacina gratuita para cerca de 400 mil cidadãos taiwaneses que vivem na China.
O governo de Taiwan lançou dúvidas sobre as vacinas feitas por empresas chinesas, como a Sinopharm e a Sinovac, divulgando regras que dizem que qualquer pessoa que receber as vacinas será obrigada a entrar em quarentena ao chegar em Taiwan.
Huang disse que as vacinas chinesas suscitam preocupações genuínas com a saúde. Assim como os desenvolvedores da Sputnik V, os desenvolvedores chineses não divulgaram os dados completos da Fase 3 antes de disponibilizarem suas vacinas. Os primeiros dados de alguns países sugeriram que elas eram notavelmente menos eficazes do que algumas rivais.
“Existem preocupações políticas, mas também existem grandes preocupações sobre a segurança e a eficácia das vacinas fabricadas na China”, disse Huang.