Em um cenário em que aliados veem risco de desgaste para a direita e para Jair Bolsonaro por causa do tarifaço imposto pelos Estados Unidos ao Brasil, o ex-presidente comentou pela primeira vez a decisão do presidente americano, Donald Trump, de taxar em 50% produtos brasileiros. Em postagem nas redes sociais, Bolsonaro afirmou ter recebido a manifestação de Trump com “responsabilidade” e defendeu que Poderes ajam com “urgência” para “resgatar a normalidade institucional”.
Trump anunciou na quarta-feira (9) que a taxação extra sobre produtos brasileiros vigorará a partir de 1º de agosto. Em carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o americano justificou a medida pelo tratamento dado a Bolsonaro pelo Poder Judiciário brasileiro. Segundo o documento, o ex-presidente sofre uma “caça às bruxas”, em referência aos processos a que responde no Supremo Tribunal Federal (STF).
Ao comentar a decisão, Bolsonaro afirmou ter “respeito e admiração pelo governo dos Estados Unidos”. Usando o mesmo termo empregado por Trump, o ex-presidente disse que ele e outros “milhões de brasileiros que lutam por liberdade e se recusam a viver sob a sombra do autoritarismo” são vítimas de uma espécie de “caça às bruxas” no país.
Bolsonaro é réu no STF por tentativa de golpe de Estado. Segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), ele liderou uma organização criminosa para se manter no poder após ser derrotado nas urnas em 2022. A denúncia oferecida pela PGR foi baseada em investigações que incluem arquivos digitais, manuscritos e trocas de mensagens.
Na postagem de quinta-feira (10), Bolsonaro pede aos Poderes que ajam “com urgência apresentando medidas para resgatar a normalidade institucional”. Nos últimos meses, ele tem defendido a aprovação de uma anistia aos acusados de golpe de Estado.
A quebra do silêncio de Bolsonaro ocorreu em um dia em que parlamentares aliados avaliaram risco à imagem do campo político da direita, diante da repercussão negativa da medida adotada por Trump.
A expectativa é de que o cenário desfavorável para a direita seja momentâneo, mas políticos governistas e movimentos sociais articulam para associar a repercussão negativa da taxa ao bolsonarismo. O tema foi destaque em manifestação de movimentos de esquerda em São Paulo, realizada na quinta, que já havia sido convocada antes do tarifaço dos EUA.
A avaliação de deputados e senadores ouvidos pelo jornal Valor Econômico é que o fato de Bolsonaro ser citado na carta enviada por Trump torna inevitável a ligação do ex-presidente com o episódio. Além disso, congressistas pontuam que reverberou nas redes a leitura de que as medidas foram articuladas por Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que está licenciado do mandato nos EUA. Em uma tentativa de descolar sua imagem do episódio, Bolsonaro ligou para aliados para desmentir os rumores de que avaliava acionar a Casa Branca para reverter o tarifaço.
Reforçando a posição, Eduardo Bolsonaro também mudou o tom. Depois de pedir para seus apoiadores agradecerem Trump, o deputado afirmou que Bolsonaro não poderia reverter as tarifas e que não adiantaria pressionar o pai para isso. “O PR Jair Bolsonaro não pode resolver a Tarifa-Moraes. Botar pressão nele ajudará absolutamente 0% na solução do imbróglio”, afirmou.
Para o líder do PL no Senado, Carlos Portinho (RJ), em um primeiro momento, as tarifas anunciadas por Trump podem potencializar o discurso do “nós contra eles” adotado pelo governo Lula em meio à disputa com o Congresso, mas o discurso reverbera apenas junto a militância de esquerda.
“É natural, em um primeiro momento, fazer uma reação política. Um caminho é seguir nesse discurso de nós contra eles, pobre contra rico e agora Brasil contra EUA. Esse discurso nunca ganhou eleição para ele, é um discurso raiz. A curtíssimo prazo pode parecer que esse discurso é bom para a esquerda, mas a longo prazo não é”, pontuou.
A estratégia de descolar a medida do bolsonarismo também foi adotada pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que admitiu que a taxação é prejudicial ao seu Estado, mas demonstrou apoio a Bolsonaro, com quem se encontrou em Brasília na quinta-feira. Na véspera, ele havia atribuído a retaliação de Trump a Lula, que teria colocado a “ideologia acima da economia”.
Mais cedo, afirmou, após ser questionado, que qualquer candidato à Presidência de centro-direita deve se comprometer com um indulto a Bolsonaro, caso ele seja condenado pelo STF. No entanto, disse acreditar na inocência do aliado. Tarcísio é cotado como presidenciável, embora afirme ser candidato à reeleição para o governo.
Aliados do governador veem com cautela o endosso do governo paulista às declarações do presidente dos EUA, segundo o Valor apurou. Na avaliação de conselheiros, Tarcísio precisa evitar a disputa ideológica com o petista neste momento, para não antecipar o debate eleitoral de 2026, e deve defender a negociação para que o governo dos EUA recue do tarifaço.
O governador disse que está em contato com a Embaixada dos EUA no Brasil, mas afirmou que cabe ao governo federal liderar a negociação “sem revanchismo”.
Já os governadores do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSD), e de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), fizeram críticas à medida e buscaram se distanciar das ações de Trump. Leite e Zema também são cotados como presidenciáveis para 2026.
Leite criticou a “polarização política” entre Lula e Bolsonaro. “Está mais uma vez demonstrando que fere interesses do país”, afirmou. As informações são do jornal Valor Econômico.