O presidente de Portugal deverá enviar ao Tribunal Constitucional (TC) as alterações na lei que rege a concessão de cidadania. Redigida pelo governo de centro-direita da Aliança Democrática (AD), a proposta de alterações à Lei da Nacionalidade prejudica milhares de brasileiros que vivem em Portugal. Assim como fez com a Lei dos Estrangeiros, Marcelo Rebelo de Sousa deverá evitar a promulgação antes de a constitucionalidade ser verificada preventivamente no tribunal.
O texto sobre a concessão de cidadania estava incluído no pacote anti-imigração aprovado pelo Parlamento. Mas foi separado do novo conjunto de regras mais apertadas e será votado em setembro. As alterações deverão ser aprovadas após o recesso parlamentar com votos da AD e da ultradireita do Chega. Depois, serão enviadas ao presidente, que afirmou ainda não ter lido o texto.
Alterações propostas
• Cidadania: Aumento de cinco para dez anos do tempo de residência para um estrangeiro fazer o pedido.
• Cidadania 2: Aumento de cinco para sete anos do tempo de residência para um brasileiro e nacionais da CPLP fazerem o pedido.
• Cidadania 3: Revogação da cidadania em caso de autoria de crime grave.
• Cidadania 4: Exigência de três anos de residência legal em Portugal para atribuição de cidadania para bebês nascidos no país. A concessão deixa de ser automática e passa a depender da vontade dos pais.
• Cidadania 5: A nacionalidade poderá ser concedida em descendência até aos bisnetos de portugueses.
• Cidadania 6: Fim da concessão para descendentes de judeus sefarditas.
Para a advogada Luciane Tomé, especialista em Direito de Nacionalidade pela Universidade Nova de Lisboa, Sousa deverá remeter ao TC para verificar o respeito aos direitos fundamentais.
“É provável que a nova lei também seja submetida ao Tribunal Constitucional, principalmente para garantir segurança jurídica e o respeito à Constituição”, disse Tomé.
O aumento do tempo de residência para o acesso ao pedido afeta milhares de brasileiros que vivem no país há quatro anos, teriam direito no quinto ano e terão que esperar mais três.
“O prazo seria contado na concessão da autorização de residência e não na data do pedido de regularização. Pode representar violação aos princípios da segurança jurídica, igualdade e dignidade”, explicou Tomé.
Outro item questionável, segundo a advogada luso-brasileira que atua em São Paulo e em Lisboa, é a aplicação retroativa da nova lei a 19 de junho de 2025, data de envio ao Parlamento. “Tal medida, no meu entendimento, viola a proibição constitucional de aplicar retroativamente leis que restrinjam direitos, liberdades e garantias”.
Ainda de acordo com Tomé, a “possibilidade de retirada da cidadania por questões legais” violaria “gravemente o princípio da proporcionalidade”.
A jurista Isabel Comte, maior especialista em cidadania do país, diz que existe expectativa fundamentada que o presidente peça fiscalização preventiva do TC, como aconteceu na Lei dos Estrangeiros.
“Nada impede que, por razões análogas e talvez com maior fundamento, o mesmo venha a acontecer com esta proposta de alteração à Lei da Nacionalidade”, declarou Comte.
Pontos controversos
A especialista portuguesa, que trabalhou durante 20 anos na análise dos pedidos no Ministério da Justiça, elencou pontos que geram dúvidas de constitucionalidade:
• Retroatividade: Aplicação dos novos prazos de residência aos processos submetidos a partir de 19 de junho quer produzir efeitos jurídicos antes da entrada em vigor. Violação do princípio da legalidade e da proibição de retroatividade de leis restritivas aos direitos fundamentais.
• Discriminação: Prevê perda de cidadania ao cometer determinados crimes, mas exclusivamente no caso dos portugueses por naturalização. A distinção entre portugueses originários e naturalizados é inconstitucional.
• Instrumentalização: Tentativa de transformar cidadania em instrumento de política criminal e gestão migratória. Nacionalidade não é privilégio concedido pelo Estado, mas direito com dignidade constitucional própria. Perda da cidadania só deve ocorrer por fraude ou falsidade documental.
As informações são da coluna Portugal Giro, de O Globo.