Os recentes anúncios do Ministério da Saúde sobre novas medidas de diagnóstico e tratamento do câncer de mama são motivo de alegria, mas também de atenção. O governo promete ofertar medicamentos modernos, ampliar o acesso à mamografia a partir dos 40 anos no SUS e utilizar carretas de diagnóstico, que já mostraram bons resultados quando bem executadas.
A ampliação do público-alvo da mamografia é uma conquista importante pela qual a sociedade civil luta há anos. No entanto, a orientação de que o exame será ofertado “de acordo com a demanda” pode criar obstáculos para atingir o objetivo central: aumentar a cobertura mamográfica e reduzir casos graves e mortes.
Mesmo com a recomendação anterior, de rastreamento a partir dos 50 anos, o Brasil nunca se aproximou da meta da Organização Mundial da Saúde, que prevê cobertura de ao menos 70%. Segundo o Panorama do Câncer de Mama, estudo do Instituto Natura com dados públicos, o país alcançou 23,7% de cobertura em 2023 — um avanço em relação ao período pré-pandemia, mas ainda insuficiente para garantir o acesso pleno das mulheres ao exame e à detecção precoce.
A ampliação da faixa etária é, sem dúvida, positiva. Porém, deixar a decisão de fazer o exame nas mãos das pacientes e dos médicos abre espaço para arbitrariedades, indo contra a ideia da mamografia como exame de rotina. No longo prazo, isso pode resultar em aumento de diagnósticos tardios, pior prognóstico e maiores custos ao sistema público de saúde.
Outro ponto de preocupação é a falta de informação sobre o tema. O Índice de Conscientização do Cuidado com a Saúde das Mamas 2025, pesquisa realizada pela Somatório Inteligência a pedido do Instituto Natura, mostrou que 71% das mulheres que utilizam o SUS não sabem ou erram ao citar a idade mínima para iniciar o rastreamento (50 anos à época da pesquisa). Apenas 24% acreditam que o exame deve começar aos 40 anos e 29% afirmam ter informações suficientes para identificar precocemente o câncer de mama.
Esses dados revelam um cenário preocupante: a maioria das mulheres desconhece os cuidados necessários para a saúde mamária e a idade correta para iniciar o rastreamento. Como esperar que conversem com o médico da atenção básica para solicitar o exame? E como garantir que todos os profissionais de saúde serão orientados e efetivamente passarão a pedir a mamografia a partir dos 40 anos, mesmo sem sintomas aparentes?
A responsabilidade pelo pedido do exame não deve recair exclusivamente sobre a paciente, que já enfrenta desafios como falta de tempo e dificuldade em acessar consultas médicas. Se o país adota essa nova diretriz, é fundamental garantir informação clara e acessível, capacitar os profissionais e organizar o rastreamento de forma sistemática.
Em síntese, a redução da idade mínima para a mamografia amplia o alcance e pode incentivar o diálogo sobre a saúde das mamas entre mulheres mais jovens. Contudo, faltam detalhes sobre como o governo pretende divulgar a medida e garantir sua implementação efetiva, com profissionais capacitados e políticas de busca ativa que assegurem o acesso ao exame.
O Brasil precisa de uma política sólida de diagnóstico precoce e tratamento do câncer de mama, com planejamento de longo prazo e ampliação da oferta de exames, que ainda é o principal gargalo. Estado e sociedade civil devem atuar juntos para levar informação de qualidade às mulheres, assegurando que conheçam seus direitos e saibam como exercê-los. Seguiremos atentos às ações do Ministério da Saúde — e esperançosos de que esse seja, de fato, o caminho certo.
(Mariana Lorencinho/Opinião/AE)
