A prescrição de anabolizantes para fins estéticos e melhora do desempenho esportivo está proibida desde abril deste ano pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Além dos sérios riscos à saúde, não há nenhuma comprovação científica dos benefícios e da segurança. Apesar disso, eles continuam sendo receitados e, segundo médicos, o número de pacientes com graves complicações não para de crescer.
“Tenho recebido cada vez mais casos encaminhados por cardiologistas, hepatologistas e psiquiatras”, observa o endocrinologista Clayton Macedo, que coordena o núcleo de Endocrinologia do Exercício e do Esporte no Hospital Israelita Albert Einstein e o Serviço de Endocrinologia do Exercício e do Esporte da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Essas complicações, muitas vezes, são irreversíveis e potencialmente fatais.”
O assunto foi tema de uma reunião científica da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte, que desconstruiu os principais motivos usados por prescritores das famosas “bombas” para fins estéticos e de performance.
As terapias hormonais com esteroides androgênicos e anabolizantes (EAA) são um grupo de substâncias sintéticas formadas à base do hormônio testosterona. Confira a seguir 6 perguntas e respostas sobre o uso de anabolizantes:
1. Os médicos têm autonomia para prescrever remédios e, por isso, podem receitar anabolizantes?
Os médicos têm liberdade para prescrever medicamentos, mas essa autonomia tem limites e deve ser baseada na responsabilidade, avaliando sempre os malefícios e benefícios de cada prescrição. O tratamento deve respeitar o que é regulamentado e cientificamente comprovado.
Mesmo que o paciente insista em algum tratamento, a conduta deve ser pautada pelos princípios da bioética. O uso de hormônios e seus derivados têm indicações muito precisas e só podem ser receitados em casos aprovados.
2. Se a pessoa anda muito cansada, a testosterona pode ajudá-la a se sentir melhor?
A fadiga crônica é um quadro que, apesar de frequente, é muito complexo e pode ser causado por inúmeros fatores — desde hábitos de sono, condições metabólicas, cardiovasculares, psicológicas e estilo de vida. É preciso realizar uma investigação detalhada das causas para chegar a um diagnóstico adequado e ao tratamento correto. A testosterona não é a solução em nenhum caso.
3. Os efeitos colaterais dos anabolizantes são pequenos e reversíveis?
Pelo contrário, não há dose segura para o uso dessas substâncias, e a lista de efeitos colaterais é longa, pois afetam vários sistemas. No cérebro, podem levar ao aumento da agressividade, chegando a quadros mais graves, como alucinações. Eles alteram a composição corporal, facilitando o acúmulo de gordura abdominal e visceral, causando fragilidade nos tendões e aumentando o risco de ruptura.
Nos homens, pode ocorrer o desenvolvimento das mamas e a redução dos testículos, enquanto nas mulheres há crescimento dos pelos corporais, engrossamento da voz e aumento do clitóris. Em todos os casos, há riscos cardiovasculares, de infertilidade, queda na libido, aumento do colesterol, além de serem tóxicos para o fígado, entre outros. Alguns danos são reversíveis, mas o processo de “desmame” pode ser muito difícil. Outros efeitos colaterais podem ser irreversíveis e até fatais.
4. O uso de testosterona diminui o risco cardiovascular?
Esse benefício só foi cientificamente comprovado em pacientes com hipogonadismo, que é uma deficiência comprovada dos hormônios sexuais. Essa condição afeta o funcionamento dos ovários e testículos, bem como a produção de hormônios. A causa primária da deficiência hormonal deve ser investigada e tratada por um especialista.
Uma pesquisa realizada em idosos com perda muscular que utilizaram testosterona constatou um aumento do risco cardiovascular. Em pessoas saudáveis, o uso de testosterona pode acarretar um maior risco de hipertensão arterial, diabetes, infarto, derrame cerebral, arritmias, insuficiência cardíaca e morte prematura.
5. Estudos mostram que a testosterona melhora a massa muscular. Como ela diminui gordura e aumenta músculos, pode ser usada para tratar obesidade e reduzir principalmente a gordura abdominal?
Embora a testosterona aumente a massa muscular, os estudos mostram benefícios apenas em pacientes específicos, com quadros graves de caquexia (uma condição médica caracterizada por perda de peso, perda de massa muscular e fadiga extrema em pessoas que estão gravemente doentes) ou queimaduras, e que usaram doses farmacológicas do hormônio.
Ainda assim, não há dados de segurança e de desfechos a longo prazo. Segundo especialistas, não se pode extrapolar esses resultados para populações saudáveis, que usam doses altíssimas de hormônio, muitas vezes associados com outras drogas para contrabalancear os efeitos colaterais e que aumentam mais ainda os riscos.
Já a afirmação que esteroides como a testosterona são eficazes para tratar obesidade não tem embasamento científico. Esses pacientes podem apresentar hipogonadismo funcional, um quadro que é revertido com a redução de peso.
A obesidade é uma doença crônica e complexa que tem fatores genéticos, ambientais e comportamentais. Seu tratamento requer uma abordagem integral a longo prazo, que envolve mudanças no estilo de vida, como uma alimentação equilibrada, prática regular de exercício físico e, se necessário, intervenções médicas específicas, como a terapia medicamentosa.
6. Pode-se usar anabolizantes desde que com acompanhamento adequado dos efeitos colaterais?
Como a prescrição é proibida para fins estéticos e não há estudos que atestem a segurança e eficácia para melhora do desempenho esportivo, os profissionais que receitarem não têm embasamento científico para nortear sua prática.
Não existe dose segura de anabolizantes e o acompanhamento transmite uma falsa segurança. Tanto que é comum receitar um pacote de remédios para combater os possíveis efeitos colaterais causados pelos hormônios – o que só agrava o quadro.