As forças russas se retiraram da estratégica cidade de Liman neste sábado, 1º, em um revés significativo para Moscou apenas um dia depois que o presidente russo, Vladimir Putin, declarou que a região onde ela está localizada agora faz parte da Rússia.
Em mensagem postada no Telegram, a Defesa russa disse que devido ao “risco do cerco”, as tropas aliadas se retiraram da cidade e recuaram para uma “localização mais vantajosa”.
Mais cedo, um porta-voz do Exército ucraniano havia afirmado que “entre 5.000 e 5.500 russos” estavam entrincheirados nos arredores de Lyman. Segundo ele, as forças de Kiev recuperaram cinco localidades perto da cidade, aumentando a pressão sobre os soldados russos que estavam cercados.
Os combates acontecem um dia depois da anexação à Rússia de quatro regiões ucranianas, incluindo Donetsk e Luhansk, medida condenada de maneira veemente por Kiev e seus aliados ocidentais. O Brasil se absteve de condená-las formalmente em uma votação convocada pelos Estados Unidos e pela Albânia no Conselho de Segurança da ONU, resolução que acabou sendo vetada pela Rússia, membro permanente do órgão.
A anexação, firmada por Putin e dirigentes pró-Rússia das quatro regiões numa cerimônia em Moscou, ainda precisa ser confirmada pelo Tribunal Constitucional da Federação Russa e ratificada pelo Parlamento para entrar em vigor. Dirigentes próximos ao Kremlin haviam afirmado que, após a anexação, ataques ucranianos aos territórios seriam considerados uma agressão à própria Rússia, que poderia se defender com o uso de armas nucleares.
O governo ucraniano afirmou, entretanto, que isso não interromperia sua contraofensiva, iniciada em agosto, para a retomada de territórios ocupados pelas forças russas desde o início da guerra, no final de fevereiro. O Exército do país conquistou grandes avanços territoriais nas últimas semanas na região de Kharkiv, no noroeste de Donetsk, onde fica Lyman.
Armas nucleares
Em resposta às anexações, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, disse que irá recorrer ao Tribunal Penal Internacional (TPI), pedindo para que a corte “analise o caso o mais rápido possível”. Na quinta, ele havia dito também que pediria formalmente “adesão rápida” à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), aliança militar encabeçada pelos EUA que está no centro do conflito travado entre Kiev e Moscou. A Ucrânia havia desistido formalmente do ingresso em março.
Nas redes sociais russas, repercutem comentários de blogueiros militares pró-Kremlin que acusam o governo de não ter aprendido com seus erros na resposta à contraofensiva ucraniana. Para o canal de Telegram Rybar, a “perda de Lyman é, antes de tudo, um revés para a reputação da Federação Russa porque desde ontem [sexta] era efetivamente parte do território da Rússia”.
Ramzan Kadyrov, líder checheno aliado de Putin que esteve em Moscou para a cerimônia de sexta, criticou o que chamou de “nepotismo” no Exército e defendeu o uso de armas nucleares:
“Ontem uma parada em Izium [cidade recuperada pelos ucranianos em setembro], hoje uma bandeira em Lyman. O que será amanhã? Pessoalmente, creio que precisamos de medidas mais radicais, como lei marcial em regiões fronteiriças e o uso de armas nucleares de baixa potência”, escreveu ele. “Não é necessários que nossas decisões sejam tomadas levando em conta a comunidade ocidental-americana.”
Área estratégica
A recaptura de Lyman, que havia sido tomada pelos russos em maio, dá a Kiev o controle do entrocamento ferroviário e de uma importante rodovia que eram usadas pelo Kremlin para apoio logístico na disputa por Donetsk. Pode abrir o caminho para que os ucranianos avancem para cidades como Severodonetsk e Lysychansk, tomadas por Moscou em junho em uma de suas maiores vitórias desde o início do conflito, resultado que consolidou o controle russo na região de Luhansk.
O triunfo ucraniano vem também uma semana após Putin convocar uma “mobilização parcial” que deve envolver cerca de 300 mil reservistas — medidas que muitos dizem ser uma resposta direta aos avanços ucranianos, possibilitados pelo envio maciço de armas ocidentais para Kiev. Os ucranianos, por sua vez, tentam novas vitórias antes dos reforços e da chegada do inverno, trazendo novas dificuldades ao campo de batalha.
Em paralelo à disputa por Lyman, Kiev acusou Moscou de matar a tiros 24 civis no ataque a um comboio de veículos perto da recém-reconquistada Kupiansk, na região de Kharkiv. De acordo com o governador regional, Oleg Synegubov, há entre as vítimas 13 crianças e uma mulher grávida.