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Após uma eleição presidencial polarizada entre esquerda e direita, os partidos derrotados tentam se “reinventar”

Montante do fundo eleitoral atingirá a cifra recorde de R$ 4,9 bilhões. (Foto: Reprodução)

Que caminho seguirá o espectro que vai da centro-direita à centro-esquerda depois que Jair Bolsonaro (PSL) derrotou Fernando Haddad (PT) e as urnas escancararam a rejeição do eleitor a partidos que fazem um discurso de moderação?

Nem as próprias legendas que ocupam o largo canal entre os candidatos do segundo turno sabem bem para onde vão. Mas o cenário pós-eleições, com o avanço da direita no plano federal, nos governos estaduais e no Legislativo, indica a necessidade de uma reinvenção “para ontem”, na opinião de líderes políticos.

Siglas como PSDB, MDB, PPS, PSB e Rede se debruçam sobre as causas do fracasso e discutem como se manter relevantes e qual papel exercer em relação ao novo governo.

“Há mais de um ano eu defendo que o PSDB faça uma reformulação, uma autocrítica”, diz o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). Ex-presidente nacional do partido, ele disse em setembro que a legenda cometeu “erros memoráveis”. Um deles: entrar no governo Michel Temer (MDB).

O futuro dos tucanos está diretamente ligado à ascensão de João Doria. Aliado de Bolsonaro, o governador eleito de São Paulo se movimenta para empurrar a legenda rumo à direita. Fala também em tirar da sigla a pecha de que fica “em cima do muro”.

Coalizão

Partidos derrotados na eleição também discutem se unir para enfrentar os novos tempos. No entanto, ao longo da campanha, iniciativas nesse sentido falharam. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) tentou articular um bloco para aglutinar candidaturas e fazer frente a bolsonarismo e petismo. Como se sabe, não obteve sucesso.

“Acho que pode vir uma coesão do centro, mas vai depender de como será o relacionamento político e quais serão as primeiras atitudes de Bolsonaro. Se vai entrar radicalizando, se vai moderar”, diz Tasso.

A expressão “oposição democrática” tem sido usada à exaustão por caciques partidários para descrever a relação com o futuro governo. A ordem é agir com responsabilidade, sem fazer um contraponto sistemático ao Palácio do Planalto.

Blocos nessa linha estão se desenhando no Congresso Nacional, com partidos como PDT, Rede, PPS, PV, PSB e até de siglas distantes do centro do espectro, como o esquerdista PCdoB. Membros poderiam votar com o novo governo em pautas como reformas econômicas, mas buscariam marcar posição em temas como direitos humanos.

A intenção é constituir uma oposição sem o PT, ideia defendida pelo ex-presidenciável Ciro Gomes (PDT) e que conta com a adesão de siglas que querem abandonar o guarda-chuva do partido de Haddad.

O MDB, por anos fiel da balança de qualquer governo e que saiu menor e menos relevante das urnas, aposta na eleição de Renan Calheiros (AL) para a presidência do Senado para garantir algum protagonismo no governo Bolsonaro.

Presidente nacional do PDT, Carlos Lupi diz que o papel de terceira via assumido por Ciro, o terceiro colocado da eleição, continuará sendo necessário. “Tivemos a onda que elegeu Lula e agora a que deu vitória a Bolsonaro. É cíclico. Daqui a pouco vira de novo.”

Ele compartilha do entendimento de que o candidato do PSL deu um baile na velha política ao estabelecer comunicação direta com os eleitores.

Para se manter no time das siglas “que serão ouvidas e terão espaço lá no futuro”, nas palavras de Freire, o PPS aposta na refundação do partido, processo que já estava em curso e agora se mostrou urgente.

Essa metamorfose, que inclui troca de nome (“Movimento” é uma opção), se dará com a adesão de membros do Agora!, do Acredito e do Livres, grupos que erguem a bandeira da renovação política, e com a possível fusão com a Rede.

A legenda da ex-senadora Marina Silva está com a sobrevivência ameaçada porque elegeu só uma deputada federal e, com isso, não superou a cláusula de barreira. A consequência é a restrição no acesso a recursos do fundo partidário e ao tempo de televisão.

Embora ainda falte a palavra final, tudo se encaminha para a união dos dois partidos. O molde também é incerto, já que, pela lei, só siglas com no mínimo cinco anos de registro podem se fundir. Oficializada em 2015, a Rede tentará na Justiça derrubar a regra.

Centro sob ameaça

Para o cientista político José Álvaro Moisés, a existência de uma força de centro é estratégica para a sobrevivência da democracia brasileira. Mas sua chance de desaparecimento é real, adverte o pesquisador, caso lideranças não tenham capacidade de ouvir as bases e apresentar soluções para problemas na economia e na segurança.

“Uma condição fundamental é que as elites políticas e os partidos que se envolveram em corrupção venham a público assumir os erros e pedir desculpas”, afirma Moisés. Ele diz que, sem uma reinvenção, o bloco de centro que historicamente tem uma posição mais apaziguadora corre o risco de ser superado pelas novas forças políticas.

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