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Apostas online podem gerar R$ 30 bilhões de custos anuais em saúde

O montante não engloba as perdas financeiras individuais dos jogadores ou os impactos em relacionamentos e vínculos interpessoais. (Foto: Agência Brasil)

Não são apenas os jogadores que sofrem prejuízos financeiros com apostas em bets e cassinos online. Há prejuízos também para a economia e para o sistema de saúde do País, já que uma pessoa com dependência em jogos frequentemente enfrenta desemprego ou redução de renda e patrimônio, demanda apoio médico e psicológico e enfrenta exclusão social.

Essa é uma das conclusões do dossiê “A saúde dos brasileiros em jogo”, elaborado pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) em parceira com a Frente Parlamentar da Saúde Mental (FPSM) e a Umane, e divulgado nesta semana.

Segundo o levantamento, o custo social dos danos associados ao jogo problemático é de pelo menos R$ 38,8 bilhões anuais no Brasil, sendo R$ 30,6 bilhões referentes aos danos à saúde, que englobam tanto os gastos das redes pública e privada de saúde quanto o pagamentos de seguro-desemprego e outras despesas associadas à perda de anos de vida saudável decorrentes do vício.

Os danos de saúde mais graves incluem R$ 17 bilhões por mortes por suicídio e R$ 13,4 bilhões por perda de qualidade de vida e tratamentos decorrentes de depressão.

O montante não engloba as perdas financeiras individuais dos jogadores ou os impactos em relacionamentos e vínculos interpessoais — desafios que não foram possíveis mensurar, mas também levam a prejuízos sociais, emocionais e econômicos de longo prazo e fazem com que os custos sejam, na prática, ainda maiores do que o calculado.

As estimativas têm como base o custo econômico e social das apostas projetado pelo governo do Reino Unido. Os valores foram adaptados à realidade brasileira a partir de dados do III Levantamento Nacional sobre o Uso de Álcool e Drogas, realizado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que aponta a existência de 12,8 milhões de pessoas em situação de risco em relação às apostas.

Com um ano de regulamentação das bets no Brasil, já somos o quinto maior mercado mundial para as apostas online. A arrecadação do setor, que lucrou R$ 17,4 bilhões no primeiro semestre de 2025, gerou R$ 6,8 bilhões em impostos entre fevereiro e setembro deste ano. O repasse feito para cada área social é dividido em:

– Esporte: 36%;
– Educação: 10%;
– Seguridade Social: 10%;
– Turismo: 28%;
– Saúde: 1%.

Até agosto deste ano, o Ministério da Saúde havia recebido R$ 32,9 milhões, segundo o dossiê. O montante deve ser usado para medidas de prevenção, controle e mitigação de danos sociais advindos da prática de jogos.

O repasse é considerado insuficiente pela diretora do IEPS, Rebeca Freitas, que chama a atenção para o contraste entre a arrecadação e os custos das apostas online para a saúde. Para ter ideia, projeta-se que os atendimentos por transtorno do jogo na Rede de Atenção Psicossocial dobrem até 2028, mas a rede ainda carece da estrutura necessária para absorver essa demanda crescente.

“Não conseguimos acessar nenhuma justificativa plausível do porquê a pasta da Saúde recebe 1% e as demais recebem valores tão superiores, considerando justamente os custos, que são enormes para a saúde pública“, afirma Rebeca, que participou da elaboração do documento. ”A conta não fecha.”

A ideia da publicação, segundo ela, é inverter o enfoque para o problema: “Ao invés de olhar só a partir de uma perspectiva arrecadatória, da perda de recursos pelo governo, (a proposta é) olhar também quais são os custos para a população“.

A carga de doenças causadas pelas apostas pode ser comparável à de transtornos como depressão e alcoolismo, considerando os danos financeiros, emocionais e sociais sofridos, segundo um editorial publicado na revista científica The Lancet em 2023 e citado no dossiê.

Dois em cada três usuários de bets apresentam comportamentos classificados como de risco ou problemáticos, e a vulnerabilidade é maior entre jovens e pessoas de baixa renda.

Esses grupos são desproporcionalmente afetados pela dependência nos jogos online, mas mesmo indivíduos classificados como jogadores de “baixo risco” acumulam prejuízos significativos, “o que desafia a narrativa de que apenas o transtorno do jogo justificaria preocupação sanitária”, argumenta o documento.

Os gastos dos jovens com apostas online têm afetado inclusive o ingresso e a permanência na faculdade, mostrou uma pesquisa feita pela Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes) e pela Educa Insights.

 

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