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As medidas diferenciadas para forçar o pagamento de dívidas têm amparo no Novo Código de Processo Civil

Levantamento da Serasa Experian referente ao mês de junho aponta que há no País mais de 60,6 milhões de brasileiros com o nome sujo na praça. (Foto: Reprodução)

Em meio às polêmicas em torno das possíveis interpretações de aspectos do CPC-2015 (Novo Código de Processo Civil), surge o debate acerca do limite das decisões judiciais no que se refere ao pagamento de dívidas. Em seu artigo 139, incisos III e IV, o CPC prevê a possibilidade de o juiz determinar medidas diferenciadas com o fim de que os devedores paguem suas dívidas.

Certamente, o objetivo do legislador ao introduzir essa novidade no Código foi proporcionar maior efetividade aos processos judiciais, estimulando a seriedade obrigacional, fundamental em um país como o nosso, onde nos deparamos, de modo cotidiano, com tantos calotes, práticas antiéticas e desrespeito à Justiça.

Na prática, a novidade introduzida pelo CPC-2015 estabelece que, quando uma das partes não cumprir voluntariamente uma ordem judicial ou obrigação constante de título legítimo, e a parte credora tiver esgotado, sem êxito, as alternativas legais comuns tendentes ao adimplemento, o magistrado pode lançar mão de ferramentas diferenciadas para forçar os maus pagadores ao cumprimento da determinação.

Amparados pelo artigo 139, poucos meses após o início da vigência do Novo CPC, vários juízes de primeira instância em todo o território nacional começaram a proferir decisões judiciais não usuais, proibindo, por exemplo, que os devedores realizassem viagens ou participassem de concursos públicos, numa tentativa de forçá-los a solver seus débitos.

Em deliberações ainda menos triviais sob a égide da legislação anterior, chegaram a determinar a suspensão da CNH (Carteira Nacional de Habilitação) e do passaporte dos devedores.

Pertinente destacar que, embora essas determinações sejam indiscutivelmente legais, vez que encontram amparo no Novo Código, é crucial que sejam proferidas somente quando se esgotarem as medidas ordinárias, e desde que seja respeitado o contraditório substancial, dando direito à parte atingida de ser previamente ouvida e de ver seus argumentos analisados, tudo de acordo com os valores e os princípios constitucionais.

Além disso, não se pode olvidar que tais decisões ainda estão tendo a validade discutida nos tribunais estaduais e do Distrito Federal, ainda não havendo uma uniformização sobre o tema, o que deve acontecer em médio prazo no âmbito do STJ (Superior Tribunal de Justiça). É oportuno que isso aconteça o quanto antes, pois a incoerência de interpretação causa, sem dúvida, instabilidade social e insegurança jurídica.

Para mais de forçarem os caloteiros a quitar suas dívidas, essas decisões pretendem impedir a ação de ludibriadores da Justiça, que frequentemente simulam suposta escassez de recursos para não serem obrigados a liquidar suas dívidas, porém, em verdade, ostentam padrão de vida elevado, viajando constantemente para o exterior, promovendo festas portentosas e utilizando carros importados de elevado valor, por exemplo.

Levantamento da Serasa Experian referente ao mês de junho aponta que há no País mais de 60,6 milhões de brasileiros com o nome sujo na praça. Os números são reflexo, entre outros, da crise econômica pela qual passa o Brasil, na medida em que houve redução de milhares de postos de trabalho e uma brutal perda de arrecadação por parte dos empresários, dos profissionais liberais e dos autônomos.

Todavia, a crise não pode ser considerada a única razão para esse quantitativo absurdo de devedores em nosso País. Na realidade, um dos principais motivos é a ausência, na grade curricular das escolas, de uma disciplina voltada para a educação financeira, sendo ínfimo o percentual de brasileiros que faz planejamento de suas finanças a curto, médio e longo prazo.

Some-se a isso o fato de que muitos ainda desconhecem o sentido, a aplicação e os efeitos da correção monetária, dos juros moratórios e dos juros compensatórios, o que os torna frágeis e suscetíveis ao superendividamento. Para estas pessoas, o atolamento decorre muito mais de uma questão cultural do que puramente de um imbróglio econômico.

Destarte, é imprescindível que o Poder Judiciário, quando chegar o momento de uniformizar a interpretação acerca do artigo 139, inciso IV, do CPC-2015, fixe critérios para sua aplicação, mas não permita que perca a utilidade concebida pelo legislador e que, dessa forma, transmita aos jurisdicionados a sensação de que a fraude, a desídia negocial e as posturas artificiosas compensam. (Cláudio Sampaio para AE)

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