Integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) achavam que a mudança de figurino político de Tarcísio de Freitas era parte de um jogo de cena. O governador de São Paulo passou a atuar em Brasília para anistiar Jair Bolsonaro, com a perspectiva de se tornar sucessor do ex-presidente nas eleições de 2026. No entanto, durante um discurso na Avenida Paulista, em São Paulo, Tarcísio fez uma espécie de dublagem do pastor Silas Malafaia ao dizer que “ninguém aguenta mais a tirania de um ministro como Alexandre de Moraes”. Essa fala deixou membros da Corte indignados e surpresos.
Um ministro do STF disse ter sido surpreendido com a postura de Tarcísio, porque ele é o “GOVERNADOR DE SÃO PAULO” (assim mesmo, com letras maiúsculas) – e não estava até então na prateleira de bolsonaristas radicais “como o deputado Nikolas Ferreira e o pastor Silas Malafaia”. Outro integrante da Corte destacou que, ao fugir do tom institucional, o chefe do estado paulista “caiu na tentação de pagar uma fatura” para conseguir o apoio do ex-presidente para ser ungido como o principal candidato da direita nas eleições de 2026. Um terceiro magistrado relembra ainda que Tarcísio sempre fez questão de cultivar uma boa relação com membros da Corte, buscando contatos frequentes, mas que, depois do ataque a Moraes, pode ter “dinamitado pontes importantes” com a cúpula do Poder Judiciário.
Nos últimos anos, Tarcísio atuava para arrefecer a temperatura da crise dos bolsonaristas com o STF. Ele foi o responsável por promover um encontro, a portas fechadas, entre o senador Jorge Seif (PL-SC) e Moraes, para evitar a cassação do mandato do parlamentar pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), revelou a colunista Bela Megale, do jornal O Globo. O governador de São Paulo também mostrou deferência ao ministro da Corte quando desconsiderou um desafeto do magistrado na nomeação do procurador-geral de Justiça do estado paulista, conforme mostrou a revista Piauí.
A relação entre Tarcísio e Moraes se estreitou ainda durante o governo Bolsonaro, quando o então presidente estava em constante pé de guerra contra o ministro do STF. O então ministro da Infraestrutura se aproximou do ex-presidente Michel Temer, responsável pela nomeação de Moraes na Corte, para tentar apaziguar os ânimos entre o ex-capitão do Exército e o magistrado.
Desde então, Tarcísio sempre tentou nutrir uma proximidade com Moraes, colocando-se na posição de bolsonarista moderado. Essa postura incomodava apoiadores do ex-presidente, que viam no governador de São Paulo um papel duplo, sem que conseguisse exercer qualquer influência no ministro do STF. Uma das principais razões de descontentamento de parlamentares da oposição com Tarcísio foi o fato de ele não ter conseguido reverter a decisão de Moraes de reter o passaporte de Bolsonaro.
Diante dessa desconfiança e da necessidade de mostrar que é um aliado fiel do ex-presidente, o governador de São Paulo passou a se colocar estrategicamente em posição antagônica à de Moraes. Na semana passada, Tarcísio não só disse que assinaria o indulto de Bolsonaro, caso recebesse a caneta presidencial em 2026, como também entrou em campo para tentar destravar a anistia irrestrita ao ex-chefe. Em reação à investida radical, Moraes mandou um recado na semana passada antes de começar a leitura do relatório do processo da trama golpista:
“A impunidade, a omissão e a covardia não são opções para a pacificação”, disse o ministro.
No domingo (7), Tarcísio foi além ao atacar frontalmente Moraes. Não demorou muito para ser rebatido, em praça pública, pelo decano do STF, Gilmar Mendes, que escreveu em uma rede social: “O que o Brasil realmente não aguenta mais são as sucessivas tentativas de golpe que, ao longo de sua História, ameaçaram a democracia e a liberdade do povo. É fundamental que se reafirme: crimes contra o Estado Democrático de Direito são insuscetíveis de perdão! Cabe às instituições puni-los com rigor e garantir que jamais se repitam”.
Na visão de expoentes do Centrão, Tarcísio está exagerando na busca pela bênção de Bolsonaro para disputar as eleições em 2026. Para políticos experientes, o governador de São Paulo deveria atuar para aglutinar o apoio de partidos do centro, adotando um tom mais moderado, e não acenando para a direita radical. Esses observadores ainda consideram a hipótese de o ex-presidente usar o seu afilhado político apenas para esticar a corda com o STF – e depois descartá-lo.
De um jeito ou de outro, uma coisa é certa: colocar Bolsonaro acima de tudo pode até ser um caminho para Tarcísio se manter no páreo da direita para concorrer ao Planalto no ano que vem, mas não garante que o governador de São Paulo conseguirá viabilizar o sonho de vestir a faixa presidencial. (Análise de Thiago Bronzatto, do jornal O Globo)