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Ativistas repudiam decisão do Supremo sobre tese que livra agressores e assassinos de mulheres

A legislação foi motivada pelo caso de Mariana Ferrer, uma vítima de violência sexual em SC que foi humilhada pelo advogado do acusado durante audiência, sem que houvesse intervenção do juiz ou do promotor. (Foto: Marcos Santos/USP Imagens)

No Dia Nacional de Luta contra a Violência à Mulher, celebrado neste sábado (10), o tenebroso fantasma da “legítima defesa da honra”, que entrou em cena na década de 1940, numa sessão de júri em Ouro Preto, na Região Central de Minas Gerais, volta a assombrar. E a deixar as marcas da maldade, muitas vezes com impunidade para o agressor.

O caso mais recente envolve a cidade mineira de Nova Era, no Vale do Aço. A Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) manteve em votação a absolvição de um homem que confessou ter tentado matar a ex-mulher a facadas, em maio de 2016. A motivação do crime foi uma suspeita de traição, sobrevivendo a vítima à agressão. A decisão revoltou integrantes do movimento Quem Ama Não Mata – surgido nos anos 1970 para denunciar os crimes contra as mulheres –, certas de que houve retrocesso por parte da Justiça.

Em texto divulgado nas redes sociais, o Movimento Feminista Mineiro Quem Ama Não Mata repudiou a tese de legítima defesa da honra, a qual considerou “anacronismo odioso”. Para as integrantes, a tese se baseia claramente na distribuição desigual de direitos entre homens e mulheres. “O STF, ao referendar uma decisão do júri popular, mesmo que baseado em leis e normas constitucionais, emite um sinal misógino para toda a sociedade: homens podem matar mulheres pela justificativa de que o corpo e a vida dessas mulheres lhes pertencem ‘por direito’”.

Após o julgamento por placar acirrado (3 votos a 2), com intenso debate sobre machismo no STF, veio o resultado com base na “soberania dos veredictos”, princípio do direito em que a decisão de um júri popular prevalece sobre a de qualquer instância superior. O caso foi julgado em 2017 e, na época, os jurados aceitaram, por unanimidade, que o ataque estava amparado na “legítima defesa da honra”. O Supremo, por consequência, manteve esse entendimento. O caso já havia sido levado ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), bem como ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), ambos entendendo que a absolvição contrariava as provas reunidas no processo e deliberaram pela realização de um novo júri. Agora, com a decisão do STF, não deverá ocorrer.

Argumentos

Usar a legítima defesa da honra na tentativa de absolver o réu acusado de matar ou ferir a mulher é uma situação que continua a existir no país. “E muito, principalmente nos estados do Nordeste e em regiões de Minas, ainda mais quando os jurados são mais velhos”, diz o professor, advogado criminalista e doutor em direito penal Adilson Rocha.

Ele explica que a figura jurídica da legítima defesa existe quando é usado, moderadamente, um meio necessário para repelir uma injusta agressão atual ou iminente em proteção de um direito. Já a “legítima defesa da honra” não tem previsão expressa na lei. E cita um exemplo: “Se você é chamado por alguém de estuprador, e você não é um estuprador, vai responder fortemente à ofensa, chamando o agressor de animal, desprezível e outros nomes. Nesse caso, não constitui crime em legítima defesa da honra, nem serve de argumento, com previsão legal, para matar alguém ou lesionar”, afirma o advogado criminalista.

Rocha dá mais detalhes: “Nos casos de crime doloso contra a vida, consumados ou tentados, como os de feminicídio, a lei determina que o jurado seja submetido a uma quesitação genérica e obrigatória nos seguintes termos: O jurado absolve o acusado?. Se o jurado responder sim, ele não está obrigado a nenhuma demonstração do argumento que o levou a absolver o réu. Nesses casos, o advogado argumenta, durante sua fala, que houve, sim, uma legítima defesa da honra, podendo o jurado acatar o argumento (do advogado) de que houve efetivamente uma legítima defesa”. Rocha volta a reforçar que a legítima defesa da honra, “em que pese ter sido muito usado anteriormente, e ainda é, não tem expressa previsão na lei”.

Adilson Rocha conta que a tese da legítima defesa da honra foi usada, pela primeira vez, em Ouro Preto, na década de 1940, quando uma mulher matou a amante do marido. “Muitos advogados usam esse argumento na tentativa de absolver seus clientes. Depois de Ouro Preto, Ariosvaldo de Campos Pires (1934-2003) também se valeu disso no julgamento de um marido que assassinou a mulher, em Belo Horizonte”, destaca. As informações são do jornal Estado de Minas.

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