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Barrinhas de proteína, noites insones, pressão de governadores e acordos de última hora marcaram os bastidores da aprovação da reforma tributária

Comemoração da aprovação da Reforma Tributária na Câmara dos Deputados. (Foto: Lula Marques/ Agência Brasil)

Pressão de governadores, noites insones, barrinhas de proteína e acordos de última hora marcaram os bastidores da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária na Câmara. O texto, que simboliza o encerramento de um ciclo de três décadas de tentativas frustradas para mudar o sistema de impostos no País, segue agora para o Senado, onde as resistências e as negociações não devem ser menores.

Pouco antes da meia-noite de quarta-feira (5), depois de ler uma nova versão do seu texto, o relator da reforma, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), comia barrinhas de proteína na tribuna da Câmara. Sua fala, já no final, havia sido entrecortada por intervalos cada vez mais longos que angustiavam os assessores. Depois, ele contou que, sem ter almoçado, sentiu a pressão cair e a vista turvar. Dormir pouco foi outra regra nos últimos dias, e não só dele, mas a de secretários de Fazenda, técnicos, governadores, deputados e lobistas.

A leitura do relatório é o rito que marca o início das votações no Legislativo, e ela foi entendida como uma mensagem de que, apesar da incredulidade que reinara em Brasília até o dia anterior, a reforma tributária agora era para valer.

Na noite de terça-feira, governadores dos sete Estados do Sul e Sudeste mais o do Mato Grosso do Sul reuniram cerca de 200 deputados em um hotel em Brasília. Ainda que nos discursos tenham defendido a reforma, a leitura era de que tinham se unido em demandas impossíveis de serem atendidas sem desfigurar o novo modelo de tributação. Prefeitos e procuradores também tinham invadido a capital para pedir o adiamento da votação.

As fake news haviam tomado as redes sociais, e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), aparecia como líder na oposição ao Conselho Federativo, que deve passar a centralizar a arrecadação de todos os Estados e municípios. Ele, então, convenceu os pares de que, nessas circunstâncias, era preciso que os Estados mais populosos assumissem a gestão do novo colegiado. A divisão que isso abriu com o Norte e Nordeste fez com que os políticos em Brasília dormissem (e pouco) incrédulos do sucesso na votação.

Novo clima

Mas o dia começou diferente. Tarcísio e o ministro Fernando Haddad dariam entrevista na porta do Ministério da Fazenda indicando um acordo. O governo aceitava a exigência do governador paulista e iria apoiá-lo. Tarcísio retribuiu o gesto horas depois, convencendo o seu partido, o Republicanos, a fechar questão pela votação em bloco a favor da reforma, e marcando conversa com o ex-presidente Jair Bolsonaro para tentar atrair também o PL.

Naquele mesmo dia, o relator passaria horas reunido com deputados da bancada do agronegócio – a mais organizada da Câmara, com 300 membros. A lista de exigências era variada (quase todas atendidas no fim), mas a que mais vibrava nas redes sociais era a da tributação da cesta básica.

Na primeira versão de seu relatório, o relator fixou que a cesta básica teria alíquota reduzida à metade em relação ao porcentual padrão (estimado em 25%). Um estudo da Associação Brasileira de Supermercados (Abras) apontou que isso poderia resultar no aumento do preço dos alimentos. Ainda que o governo tenha rebatido a tese, afirmando que o cálculo não estava correto, o estudo bastou para irrigar as redes com críticas à reforma, inclusive de Bolsonaro.

Se para a classe política o ponto de virada para determinar que a reforma vingaria foi a presença (e o discurso) de Tarcísio, para Aguinaldo foi a sua decisão de zerar a cesta básica naquela quarta-feira. “A cesta básica foi escolhida para criar uma narrativa como se a reforma fosse atingir os mais pobres, enquanto o que a gente queria era o contrário. Mais uma das grandes mentiras contra a reforma que foram pregadas”, atacou o relator, com a voz rouca, às 2h da sexta-feira, após quase 15 horas de sessão e o painel da Câmara marcar o placar em segundo turno: 375 votos a 113 (o mínimo necessário para a aprovação de uma PEC é de 308 votos).

Acordo

Resolvido o problema da cesta básica, faltava uma solução para os Estados. Foi só no dia da votação que os governadores receberam o trecho que honrava a promessa feita por Haddad: mais poder para os Estados mais populosos no conselho.

Os ajustes de redação foram feitos pelo secretário de Fazenda do Rio, Leonardo Lobo Pires, ao lado de Samuel Kinoshita, de São Paulo, no computador da secretária da liderança do PSD na Câmara – onde estavam acompanhando as negociações políticas que se desenrolaram ora com a frente evangélica, ora com deputados que representam os setores de serviços, que temiam aumento da carga tributária. A Constituição estava sendo reescrita de pé, descreveu um dos que compartilharam daquele momento. O acordo feito de boca no dia anterior estava honrado e, naquela hora, em papel passado.

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