Diferentemente de outros grupos ideológicos no Brasil, o bolsonarismo funciona como um “partido digital”: uma estrutura organizada e descentralizada, que disputa poder político e eleitoral à margem das instituições e legislações formais.
A tese integra pesquisa, conduzida pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), Centro para Imaginação Crítica (CCI) e (Instituto Democracia em Xeque (DX), que analisou a atuação digital do bolsonarismo e de parlamentares do Partido Liberal (PL).
O estudo destaca que, embora utilize a estrutura do PL, o chamado “Partido Digital Bolsonarista (PDB)” não se confunde com a legenda e opera como uma entidade paralela, com estratégias próprias e até membros que não estão filiados à sigla presidida por Valdemar Costa Neto.
Os pesquisadores analisaram as redes sociais de todos os parlamentares federais do PL, mas com foco em dez deles de dois grupos: parlamentares tradicionais do Centrão (Josimar Maranhãozinho e Antônio Carlos Rodrigues) e os bolsonaristas com forte presença digital (Abilio Brunini, André Fernandes, Bia Kicis, Caroline de Toni, Chris Tonietto, Eduardo Bolsonaro, Gustavo Gayer e Nikolas Ferreira).
A coleta de dados se deu nas cinco semanas em que a bolha da direita esteve engajada em algum assunto de repercussão nacional. A análise compreendeu a aprovação do projeto de lei que restringe a saída temporária de presos, a mobilização malsucedida que endurecia regras para o aborto, a ascensão de Pablo Marçal nas pesquisas para a Prefeitura de São Paulo, o Sete de Setembro e a reta final das eleições municipais.
Particularidades
Os pesquisadores identificaram particularidades na atuação dos bolsonaristas em relação ao PL. Uma delas é que o grupo apoiou candidatos de diversos partidos nas em 2024, como Republicanos, PRTB e PSD. O próprio ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) chegou a publicar um site com todos os candidatos que ele apoiava – muitos deles filiados a outras legendas que não a sua.
O PL foi o partido com melhor desempenho em 2024, nos municípios com mais de 200 mil habitantes, onde o bolsonarismo é mais presente. Os bolsonaristas também têm uma taxa de governismo (alinhamento ao governo federal em votações no parlamento) inferior aos correligionários tradicionais.
Presença digital
Além disso, os deputados do bolsonarismo fazem mais publicações nas redes sociais, têm um nível de audiência superior e travam debates acerca de temas diferentes em relação aos colegas do PL.
O padrão de críticas ao Supremo Tribunal Federal, especificamente a Alexandre de Moraes, é o que mais unifica os bolsonaristas, e é uma das pautas que mais gera engajamento, “denotando o caráter antissistêmico do PDB”, dizem os pesquisadores.
A análise de engajamento médio por publicação identificou um abismo entre o bolsonarismo e os deputados tradicionais do Centrão. Rodrigues e Maranhãozinho tiveram um engajamento médio de 1,3 mil e 5,2 mil interações por publicação. Enquanto isso, Nikolas teve 537,2 mil, Fernandes, 239,2 mil, e Gayer, 213,5 mil.
“O PDB opera com fronteiras porosas, permitindo a entrada e saída constante de atores – o que exige formas alternativas de controle e alinhamento. A emergência de novas lideranças de direita, como Pablo Marçal e, mais recentemente, Gusttavo Lima, evidencia a instabilidade e a possibilidade constantes de deserção da base”, afirma o estudo.
“Em vez de estatutos ou programas, o que sustenta o grupo é a lealdade à figura central e a circulação de códigos morais e simbólicos compartilhados. Influencers e parlamentares funcionam como nós de uma rede que conecta o núcleo à militância digital. Quem rompe com essa lógica é excluído do ecossistema. Casos como os de ( Carlos Alberto) Santos Cruz, Alexandre Frota e Joice Hasselmann mostram como o sistema pune simbolicamente os dissidentes – com ostracismo, ataques coordenados e perda de visibilidade”.
Relação parasitária
Segundo João Guilherme Bastos dos Santos, diretor de Tecnologia e Estudos Temáticos do Instituto Democracia em Xeque, os padrões bolsonaristas de ação online não batem necessariamente com os do restante do partido: “Eles têm uma articulação interna, uma relação parasitária. Eles ‘hackeiam’ o partido para instrumentalizá-lo em prol das finalidades deles”.
“O bolsonarismo faz um investimento intencional nas redes sociais”, diz Leonardo Martins Barbosa, doutor em Ciência Política pela Uerj e pesquisador do Cebrap. “Ele age nos ecossistemas digitais, organiza grupos nos serviços de mensagens, coordena suas ações em diferentes mídias, se articula digitalmente com indivíduos e organizações que vão muito além dos contatos restritos à política institucional.” Com informações de O Estado de S. Paulo