O relatório final da Polícia Federal (PF) sobre a atuação da chamada “Abin paralela” colocou em evidência a disputa interna, no governo Lula, entre as cúpulas da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e a própria PF. No documento, os investigadores acusam a atual gestão do órgão, responsável por coletar informações estratégicas, de tentar obstruir a apuração sobre crimes supostamente cometidos durante o mandato de Jair Bolsonaro.
Em mensagens e provas colhidas, há indícios de que o atual chefe da PF, Andrei Rodrigues, entrou na mira da cúpula da Abin em 2023. Por outro lado, antes de ser indiciado, o atual diretor-geral da agência, Luiz Fernando Corrêa, indicado por Lula, teria se queixado de motivação “política” no desenrolar do inquérito e chegou a dizer que “a montanha ia parir um rato”.
No relatório enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), a Polícia Federal afirma que a agência, uma instituição de Estado, foi usada para perseguir adversários políticos de Bolsonaro e atacar o sistema eleitoral. O próprio ex-presidente foi acusado de ser integrante de uma organização criminosa e o “principal destinatário” das ações, inclusive no contexto da suposta trama golpista.
A apuração do caso teve início após o jornal O Globo revelar, em março de 2023, a compra de um sistema espião pela agência, chamado FirstMile, para monitorar a localização de alvos predeterminados em todo o país.
A gestão da Abin indicada por Lula foi enquadrada no “núcleo do embaraçamento da investigação”. São aqueles que, como Corrêa, são apontados pela PF por acobertar servidores alvos do inquérito. Na última semana, Lula decidiu manter o diretor-geral da Abin no cargo. De acordo com auxiliares, o presidente avaliou que apenas o indiciamento de Côrrea não era motivo suficiente para substitui-lo.
Auxiliares de Lula afirmam que o presidente vê uma guerra corporativista tanto da PF quanto da Abin em relação ao caso, o que favoreceria “uma disputa de narrativas” entre as duas instituições. Nesse cenário, pontuam, Lula irá ponderar as versões divulgadas.
Para a PF, Corrêa cometeu os crimes de embaraçar a investigação, prevaricação e coação no curso do processo. Uma das conclusões é que ele “agiu para controlar as oitivas (da PF) e garantir que os servidores não colaborassem”.
O chefe da Abin, que é oriundo dos quadros da PF, é homem de confiança de Lula e tem uma longa relação com o presidente. No primeiro governo do petista (2003-2006), ele implantou e comandou a Força Nacional de Segurança. No segundo mandato (2007-2010), foi diretor-geral da Polícia Federal. Ao escolher Corrêa para comandar a Abin no começo do governo, Lula deu carta branca para ele reformular o órgão e solicitou que a mudança tornasse o fluxo de informações de inteligência mais ágil.
A ideia era que a estrutura se reportasse diretamente ao gabinete presidencial, sem passar por filtro em ministérios. Antes da conclusão da investigação, Rodrigues e Corrêa disputavam o protagonismo no repasse de informações estratégicas a Lula.
Enquanto Côrrea é mais próximo ao ministro da Casa Civil, Rui Costa, Andrei Rodrigues é aliado do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski e da primeira-dama Janja da Silva.
O relatório final da PF traz indícios da tentativa do ex-número 2 da agência no início do governo Lula de atingir Andrei Rodrigues. Em mensagens interceptadas, o então diretor-adjunto do órgão, Alessandro Moretti, pede ajuda a colegas para levantar informações que pudessem ser usadas contra o chefe da Polícia Federal.
Moretti queria saber se Rodrigues estaria “incentivando” uma greve dentro da instituição, no fim de 2023. Naquela época, havia uma mobilização de policiais federais por reajuste salarial.
“Alguém me consegue algo concreto de que o Anão (possível referência a Rodrigues) está incentivando a greve”, diz Moretti, na mensagem.
Em seguida, ele pede “algo”, como “mensagem” ou “fala” de Rodrigues sobre o assunto. Naquele momento, Moretti era diretor-adjunto da Abin e o substituto direto de Luiz Fernando Corrêa. Os dois foram indiciados por obstrução de Justiça.