Dei por recordar, com detalhes, momentos especiais de minha vida. Pode ser que se aproxime a hora do juízo dos juízos e daí essa tentativa de botar em ordem a memória, a única arma pacifica que poderei usar.
E tem vindo à lembrança, repetidas vezes, cenas de nossa decisão, praticamente simultânea, de instalar uma CPI (coisa rara, muito rara na época) diante do que já começava a vazar na opinião pública: havia algo de podre no Palácio do Planalto e cercanias.
Tentamos avisar a quem de direito para que agisse, investigando e, havendo crimes e criminosos, os punisse, impedindo de alastrar-se o que parecia – e era – corrupção oficial.
Lembro bem. Em nome da seriedade, de que calar era assumir a conivência, engajar-se na postura no mínimo omissa, dos criminosos – não por não fazer – mas por não impedir que os desonestos fizessem.
Caro Zé, de partidos diferentes, isso não nos separou.
A missão era muito maior e imperativa. Não seria um posicionamento circunstancial de sigla diferente que nos afastaria da ação semeadora.
Foi assim, claro que tu te lembras, Zé – também recordas que, por ato de justiça e imediatamente, foste eleito, por consenso, Presidente e, ato continuo me convidaste (ou convocaste) para ser o Relator.
Onze meses de depoimentos, de perícias, de acareações, de rigorismo não persecutório. Havia, na Comissão de onze membros, pelo menos seis partidos representados. No meu relatório, que te mostrei antes de levá-lo à Comissão, se propunha indiciamento de presidentes de autarquias, de Ministros – e foram vários – e, pela primeira vez, na História, o do Presidente da República.
Não houve mera aprovação. O relatório foi consagrado e aprovado por dez votos a um.
Entregamos, solenemente, os 12 volumes com 24 mil páginas, à Presidência da Câmara para processar o impeachment, fundamentada na reiterada e comprovada corrupção. Forças superiores, agindo na escuridão da criminalidade impune, obstaculizaram, com descabidos argumentos burocráticos, que o processo tivesse, como se impunha legal e constitucionalmente, o seu curso, ética e juridicamente recomendável.
Fomos ao Supremo que, por 6 votos contra 5, lavou as mãos. Alegou que o assunto era da alçada do Legislativo e, por isso, não cabia ao Tribunal manifestar-se. Que pena, Zé. Como dizia Millor Fernandes, o Brasil “É um país de enorme território, habitado por milhões de homens muito pequeninhos”. Será mesmo?
Tu lembras, Zé? A decepção foi terrível, mas nos ensinou que muitas lutas ainda teríamos que enfrentar na defesa de nossos idôneos ideais. O tropeço daquele momento serviria de aprendizado e vitamina para as lutas que o futuro nos reservaria. E reservou. E foram muitas. E jamais recuamos.
Na verdade, Zé, é o que temos feito, com circunstanciais êxitos e eventuais decepções.
O certo é que, homens de setenta, continuamos com o mesmo vigor e o mesmo entusiasmo. A idade não importa. Somos jovens que passamos pelo tempo.
Do amigo, parceiro e admirador.